1.2. Desde Armando Vara até José Sócrates, passando por Fernando Gomes. Enfim, águas passadas: António Guterres será um excelente Secretário-Geral da ONU, pela sua preparação ímpar como demonstrou ontem na audição em Nova Iorque. Guterres não tinha vocação para Primeiro-Ministro – tem vocação para cargos internacionais relacionados com questões humanitárias. Irá exercer, pois, as funções certas – ser Primeiro-Ministro foi uma precipitação. Um erro cometido no passado.
3. Dito isto, António Costa quebrou com a tradição guterristas dos “empregos para a rapaziada”, substituindo-a pelos “empregos para os amigos”. O jobs for the friends. Desta feita, convidou o seu amigo Diogo Lacerda Machado para assessorar o Governo na reversão das privatizações. Portanto, uma espécie de super-Ministro, presenteado com uma avença mensal de 2000 euros. Quase tanto como o salário de Ministro – compensa, pois, ser amigo de António Costa. Mais: Diogo Lacerda Machado não é apenas amigo de Costa – é seu padrinho de casamento. Esta avença é então um presente para o padrinho. Talvez uma retribuição tardia pelo presente de casamento. Quem sabe…
4. Esta moda de se contratar os amigos para prestar consultoria ao Governo é uma originalidade portuguesa. Parece que o Governo – órgão de soberania, que representa e actua em nome do Estado Português – é uma empresa. Que diabo: o Governo de António Costa é um dos maiores de sempre em termos de recursos humanos. Há Ministros, Secretários de Estado, adjuntos, assessores, especialistas, técnicos superiores para todos os gostos e que até compreendem relações familiares entre os socialistas. O amigo (advogado de mérito e competente) Lacerda Machado foi convidado para Ministro, tendo recusado. Ora, o Estado não tem gente competente, entre a multidão que António Costa presenteou com um cargozinho, para assessorar a reversão das privatizações?
5. Por exemplo, só no Ministério dos Transportes, António Costa tem o Ministro, Pedro Marques, que é licenciado em Direito. Tem o Secretário de Estado das Infraestruturas que é Professor de Direito. E tem, pelo menos, uma dezena de especialistas licenciados em Direito. Não basta? É ainda é preciso ir buscar um advogado para tratar das questões jurídicas? Ainda por cima, um advogado escolhido à base da amizade: o que colocou em causa todas as leis sobre contratação pública. Parece que António Costa deve qualquer coisinha a Diogo Lacerda Machado…Claro que não deve nada. Mas que parece, parece.
5.2. Além disso, quem nos garante – a nós, cidadãos portugueses – que Diogo Lacerda Machado actua de forma imparcial, comprometido com o interesse público apenas? É que não tem nenhum vínculo formal de representação do Estado português: os Ministros actuam em nosso nome através de um acto político formal e público que é a posse. A aceitação do cargo. Diogo Lacerda Machado não é Ministro – mas é mais poderoso do que, por exemplo, o Ministro dos Transportes. Isto é: António Costa tem um Governo oficial – e depois conta com um “Governo não-oficial” que é o Conselho dos seus Amigos. Uma espécie de Administração paralela, mais forte que a Administração oficial. Isto coloca em causa todos os princípios de representação política democrática, do estatuto do Governo como órgão superior da Administração Pública e, no limite, o princípio do Estado de Direito.
6. Mais: Diogo Lacerda Machado está submetido ou não à Lei das incompatibilidades? É que de manhã Lacerda Machado assessora o Estado – à tarde, no seu escritório, poderá representar e defender interesses das entidades privadas. E quem controla? E mesmo que represente os interesses privados que conflituam com o Estado à tarde, no seu escritório de advogados, haveria nenhum problema? Parece que não – como não é titular de cargos públicos formalmente, Lacerda Machado não está vinculado à Lei das incompatibilidades…Lacerda Machado é um super-Ministro – excluído do controlo legal e do controlo político, por parte da Assembleia da República e da opinião pública.
7. Mais uma vez, António Costa leva à promiscuidade total entre o que é público e o que é privado. Foi assim na Câmara Municipal de Lisboa – é assim no Governo. Como poderão os portugueses em António Costa?
P.S – Marcelo Rebelo de Sousa (tal como nós) foi muito crítico da contratação pelo Governo Passos Coelho de António Borges para consultor das privatizações. Em junho de 2012, na TVI, Marcelo pediu a Passos Coelho para ser especialmente cauteloso. Afirmou mesmo que o problema era um problema do Estado. E agora? Com Diogo Lacerda Machado, não há um problema de Estado, Senhor Presidente? Já que está tão bem informado sobre a eurodeputada que irá exercer funções na área financeira – não seria conveniente informar-se sobre o caso Lacerda Machado? Achamos que sim, Senhor Presidente…