Maria João Carioca Rodrigues é o nome que muitos devem ter pesquisado no Google depois de a gestora ter sido anunciada como a primeira mulher a ser convidada a chefiar a Bolsa de Lisboa. Não é todos os dias que alguém do sexo feminino ocupa funções de topo numa empresa em Portugal e, numa instituição dirigida por homens ao longo de 246 anos de história, a supresa foi ainda maior. Mas, para quem conhece de perto o trabalho de Maria João Carioca, a escolha da gestora para o cargo é natural. “É uma pessoa muito focada, muito objetiva e, acima de tudo, uma excelente profissional, com ótimas social skills”, diz ao B.I. Nuno Fernandes Thomaz, vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos.
Com 45 anos e formada em Economia pela Universidade Nova, o nome da gestora foi aprovado de forma unânime pelo conselho de administração da empresa que gere algumas das bolsas de valores da Europa. Para a Euronext, a “experiência comprovada em funções executivas” e em mercados de capitais levou a empresa a considerar Maria João Carioca a pessoa “mais indicada para liderar as operações da Euronext em Portugal”.
O currículo é invejável. Ostenta um MBA tirado no prestigiado INSEAD e um programa de gestão organizacional na ainda mais conceituada Harvard Business School. Para integrar o lugar cimeiro na Euronext Lisbon, Maria João Carioca sai da administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD), onde integrava a comissão executiva e exercia funções de marketing. A carreira profissional começou em 1993, na McKinsey & Company, onde foi consultora e se dedicou aos setores de serviços financeiros e administração pública.
Numa das poucas entrevistas que deu, Maria João admitiu à revista “Executiva” que acabou por sair da empresa quando engravidou da segunda filha: “Gostava imenso do que estava a fazer mas não estava a conseguir encontrar a solução para fazer as coisas como eu as queria fazer. Durante os quatro anos que as minhas filhas têm de diferença tentei várias formas de me organizar, trabalhei em part time, mas tive muitas dificuldades em manter o vigor e a disponibilidade mental ao nível do que queria estar a fazer. E portanto fui à procura de espaço”.
Ingressou depois a SIBS Pagamentos, onde foi membro da comissão executiva. A gestora deverá assumir as novas funções durante o terceiro trimestre do ano. Até lá e, de acordo a informação divulgada até à data, os atuais presidentes interinos concordaram em permanecer nestes cargos até que a gestora seja nomeada oficialmente.
Mulheres ao poder
A indicação de uma mulher para CEO da Euronext Lisbon deu que falar, mas será apenas um caso isolado ou uma mudança de paradigma numa das mais antigas guerras de sempre: a de género? Ao B.I., Maria Teresa d’Avila, presidente da Associação das Mulheres Empresárias em Portugal (AMEP), admite que há muito a fazer neste campo, mas sublinha que a escolha de Maria João Carioca para o cargo é já uma vitória. “A verdade é que continuamos a ter em Portugal muito poucas mulheres em lugares cimeiros. Mas é evidente que é sempre muito positivo quando alguém consegue vencer essas barreiras e a Maria João Carioca conseguiu. E atenção: há 30 mil barreiras”, começa por explicar, acrescentando: “O que é pedido às mulheres não é que sejam iguais aos homens. Para conseguirem estes cargos, as mulheres têm de conseguir ser muitos melhores do que eles”.
Maria Teresa d’Avila explica que, muitas vezes, as mulheres que são escolhidas para ficar à frente de determinados cargos não chegam a ser responsáveis por determinadas funções. “Muitas vezes as mulheres servem como capas. Existem mulheres muito bem colocadas que não sei até que ponto é que são responsáveis por aquilo que fazem e pelas decisões que tomam”, diz, sublinhando o exemplo de Isabel dos Santos: “A filha do José Eduardo dos Santos, por exemplo, não sei se está naquela posição por mérito”. Para a responsável pela associação, que foi criada também com o objetivo de contribuir para a redução das desigualdades que afetam as empresárias portuguesas enquanto mulheres e empresárias, Maria João Carioca é um bom exemplo, mas é “muito difícil haver uma mudança de paradigma em Portugal quanto aos cargos de chefia”. “Para uma mulher ir para determinado cargo, é necessário um homem sair e isso é muito difícil de se conseguir”, sublinha, até porque ainda que saiba que “alguns e bons exemplos são uma minoria”.
Maria Teresa D’Avila considera que, apesar de todos os exemplos que vão surgindo, é muito difícil assumir que possa vir a acontecer uma mudança de paradigma, até porque considera que o necessário é uma mudança na forma como as pessoas pensam: “O problema em Portugal é que se torna cada vez mais imperativo mudar as mentalidades”.
Para a dirigente da AMEP, poderemos vir a assistir a esta mudança, mas só daqui a vários anos. “Há cada vez mais mulheres a tirarem licenciatura e acho que tudo pode mudar dentro de 19/20 anos. No entanto, é necessário não esquecer que mesmo assim as mulheres continuam a ter vidas diferentes”.