O dinheiro e a política

É de saudar o trabalho realizado no escândalo dos Panama Papers pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (de que faz parte o semanário Expresso), na análise a 11,5 milhões de documentos envolvendo complexas operações financeiras. Não se tratou apenas de fotocopiar documentos e divulgá-los.

O escândalo é mais uma manifestação do crescente poder do dinheiro. A política deve prevalecer sobre a economia, claro. Ou seja, o bem comum – uma maioria democrática, respeitando os direitos das minorias – terá de sobrepor-se aos interesses particulares, ainda que legítimos. Tanto mais se forem ilegítimos.

Mas estes princípios estão hoje ameaçados, em particular nos EUA. Já referi que Robert Reich, antigo ministro de Bill Clinton, aponta como um dos motivos do alargamento das desigualdades económicas nos EUA a influência crescente dos muito ricos e das grandes empresas na elaboração das leis. É bom que os EUA tenham regras sobre lobbying, tornando-o mais transparente. Mas tal não obsta a que muitas normas sejam redigidas de maneira a satisfazer as pretensões dos mais ricos, pessoas e empresas.

O poder do dinheiro está também patente no financiamento das campanhas eleitorais norte-americanas, desde as presidenciais até à escolha de congressistas. Os 435 deputados à Câmara de Representantes de Washington são eleitos apenas para dois anos – o que, na prática, significa estarem em permanente campanha de angariação de fundos. E o Supremo Tribunal Federal equiparou empresas a pessoas, ao permitir o financiamento empresarial quase ilimitado a políticos, com o argumento de que se trata de proteger a liberdade de expressão…

Os Panama Papers revelam dinheiro escondido para fugir a impostos e/ou para lavar dinheiro, apagando traços de crimes de corrupção, tráfico de armas e de droga, terrorismo, etc. Depois do 11 de Setembro de 2001 surgiu a esperança de, finalmente, os governos combaterem a sério os offshores, pois se soube que a operação terrorista havia sido financiada através deles. Mas depressa se percebeu que interesses poderosos se opunham a tal limpeza.

Note-se que os paraísos fiscais não existem apenas em zonas exóticas. Há vários na Grã-Bretanha. E os EUA, tão lestos a vigiarem contribuintes americanos com dinheiro em bancos estrangeiros (na Suíça, por exemplo, onde o segredo bancário já quase não existe), são opacos quanto a dinheiro suspeito depositado no seu território. Daí o lamento recente da Economist: “tendo lançado e liderado a batalha contra a evasão fiscal nos offshores, a América é agora parte do problema”.

Há anos chamei “infernos fiscais” aos paraísos fiscais. É que, ainda quando seja legal, os impostos que os mais ricos deixam de pagar significam mais impostos sobre os menos ricos e menos dinheiro para apoios sociais. Por isso os paraísos fiscais configuram uma injustiça. A única maneira de acabar com ela, bem como com as facilidades que os offshores oferecem a dinheiro de origem criminosa, seria eliminar todos os paraísos fiscais.

Bem sei que esta solução não passa, pelo menos por enquanto, de um voto piedoso. Mas a divulgação dos Panama Papers talvez contribua para uma maior atenção das opiniões públicas para o problema. E em democracia as opiniões públicas acabam por triunfar.