Estados de Alma

Os Estados de Alma de hoje serão atípicos porquanto irei glosar (de forma muito favorável) alguns artigos recentes na imprensa nacional e internacional.

1. Liquidação ou resolução. O secretário de Estado das Finanças, Ricardo Félix Mourinho, publicou no Público do dia 7 um artigo em que apresenta preto no branco a comparação entre os custos associados às duas soluções alternativas para o Banif. O artigo é ‘curto e grosso’, como quem conhece Ricardo Mourinho esperaria. Mas é uma lufada de ar fresco de clareza: a liquidação custaria mais 1,6 mil milhões de euros do que a resolução, sendo o grosso da diferença suportado pelos contribuintes. Mas a clareza não pode escamotear a hipótese essencial: a de que o Estado garantiria todos os depósitos – mesmo aqueles que, por excederem os 100 mil euros, não estariam garantidos por lei e que atingiriam os 2,8 mil milhões. Esta hipótese não é inócua mas antes fulcral para o argumento daqueles que defendem que enquanto os grandes depositantes não atuarem como genuínos stakeholders não será possível reformar nem devolver saúde ao sistema bancário.

2. Superioridade moral do capitalismo. O caso dos Panama Papers serviu de pretexto para que os habituais candidatos a coveiros do capitalismo viessem declarar a falência moral do sistema. Francisco Assis, insuspeito de simpatias direitistas, num artigo notável no Público do dia 7 recorda-nos duas coisas: que a defesa clássica na livre iniciativa, da propriedade privada e da concorrência pressupõe sempre o enquadramento de um Estado de Direito e do respeito pela Lei (afinal Adam Smith era professor de Filosofia Moral); que com exceção da Islândia – cujo primeiro-ministro implicado no escândalo se demitiu imediatamente – todos os outros casos de envolvimento de responsáveis políticos respeitam a países que não são democracias liberais (nem, digo eu, sistemas capitalistas).

3. Brexit e os limites do conhecimento. Wolfgang Munchau, um influente colunista do Financial Times, argumentou esta semana que assentar a defesa da permanência do Reino Unido na UE com base no interesse próprio dos ingleses e nos putativos benefícios económicos líquidos dessa permanência é, já em si, uma confissão de derrota. O primeiro motivo é o da ‘impossibilidade de conhecimento’: a ciência económica não é suficientemente sofisticada nem os contra factuais suficientemente claros para proceder a uma análise custo-benefício realista (aquilo que o malfadado Donald Rumesfeld referiria como um excesso de «know unknowns» e de «unknown unknowns»). O segundo argumento contesta a natureza estática e retrospectiva dessas análises. Munchau defende que a defesa da permanência na UE deveriaser acerca do futuro, baseada na melhor resposta aos desafios comuns da segurança, do ambiente e da inovação. John Major, há já umas semanas no Sunday Telegraph, insistia na mesma tónica, ao afirmar que a saída «envenenara a Europa e dividiria o Ocidente». Espero que Munchau não tenha razão. Se o tiver o Brexit já ganhou pois numa nação de ‘lojistas’ não acredito ser possível evitar os argumentos contabilísticos.