Devemos dizer “o Bloco de Esquerda” ou “a Bloca de Esquerdo”? – notas sobre o bolcheviquismo gramatical

1. O Bloco de Esquerda é um partido singular: não há igual por esse mundo fora. Ainda bem que Francisco Louçã e Fernando Rosas – e respectivos séquitos – para nos brindar com um partido tão original, tão inovador e tão engraçadinho. O que seria da política portuguesa sem o Bloco de Esquerda? Certamente seria…

2. Isto vem a propósito da nova iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda: a alteração do nome do “cartão do cidadão” para “cartão da cidadania”. Razão da mudança legislativa: cidadão ofende as senhoras, as cidadãs. Cartão do cidadão representa um legado histórico da sociedade portuguesa misógina. Desconhecemos em que país é que as iluminadas cabeças do Bloco de Esquerda vivem: será que há alguma portuguese que viva preocupada com o facto de o seu cartão identificativo ser qualificado como “cartão do cidadão” e não “cartão da cidadania”?

Imaginamos que há muitas senhoras por esse Potugal fora que vivem angustiadas com o nome legal do cartão….Arranjar emprego? Criar condições para uma efectiva igualdade salarial, através da mudança das políticas corporativas e do reforço da competitividade da economia portuguesa? Estas são questões menores. Verdadeiramente importante é mudar o nome do cartão!

3. Confessamos que, para nós, o cartão ser do “cidadão”, da “cidadã” ou da “cidadania” é absolutamente indiferente. Em rigor, nós até continuamos a nos referir ao dito cartão como “bilhete de identidade”.  Nesta deriva igualitarista bacoca do Bloco de Esquerda, há uma questão que tem que ser feita: não será o próprio Bloco de Esquerda discriminatório? Porque razão se chama “o Bloco de Esquerda” (nome masculino) e não “ a Bloca de Esquerdo” (nome feminino)? Pois, pois, faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço, não é camaradas bloquistas? Afinal, o Bloco de Esquerda também tem sexo –  e é masculino! Há que mudar rapidamente o nome do BE para Bloca de Esquerdo! Assim sim, os direitos das mulheres serão concretizadas! As portuguesas vão ficar muito mais felizes, com uma vida mais digna e mais dinheirinho no final do mês? Bravo, Bloco de Esquerda (ou melhor: a Bloca de Esquerdo!), bravo!

4. Mais: há que ir mais longe no bolcheviquismo gramatical. Acabemos com o determinante artigo definido masculino “o” e com o determinante artigo definido “a”. Há que escolher um determinante neutro, que não seja nem feminino, nem masculino. Por  exemplo, camaradas da Bloca, temos uma sugestão: o “z” passa a ser o determinante artigo definido na língua portuguesa. Em vez de dizermos “o homem” ou “a mulher”, passamos a dizer “z homem”, e “z mulher”. Assim, não há discriminação: homem ou mulher, seremos todos “z”. Vamos mais longe: acabemos com esta imposição retrógrada de indicarmos no nosso cartão de identificação o nosso sexo.

 Porque razão temos “sexo M” ou “Sexo F” no cartão? Retrógrados! Vamos lá, camaradas, progressistas do século XXI! Vamos lá acabar com esta imposição da grande finança, do grande capital! Hasta la vitoria, camaradas, acabar já com a identificação baseada no sexo no registo civil! Já!

5. Enfim, palavras para quê? Todos os portugueses perceberam a manobra dos iluminados do Bloco de Esquerda. Esta proposta legislativa mais não é que uma manobra de distracção dos problemas reais que ameaçam a geringonça, designadamente, os problemas orçamentais. Enquanto Catarina Martins se diverte. e nos diverte – com o “cartão da cidadania”, não falamos do abrandamento da nossa actividade económica, a incapacidade de Mário Centeno e as medidas de austeridade que vão ser aplicadas a breve trecho. Mais do mesmo: o Bloco de Esquerda, afinal, não muda.

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