2.Recorde- se que Portugal está a ser altamente pressionado pelas instâncias europeias para provocar alterações na estrutura acionista do BPI, de forma a cumprir as novas exigências em termos de rácio de capitais. No fundo, Bruxelas não quer que o BPI tenha uma presença de capitais angolanos tão forte – isto porque considera Angola um país de risco, com exigências de regulação e de regras prudenciais menos estritas do que as vigoram no espaço da zona euro, logo, torna o BPI mais vulnerável a situações de risco sistémico (com a qual os portugueses já estão, infelizmente, mais do que familiarizados…).
3.Será este um caso estritamente financeiro – onde os intervenientes do mercado financeiro actuam livremente, prosseguindo os seus interesses pessoais e, em última análise, o resultado das transacções destes intervenientes resultará no “bem colectivo”? Ou terá este caso uma natureza política, ainda que mediatamente? Parece-nos que a resposta é inequívoca: este caso comporta uma dimensão política importante. E que não pode ser desprezada. A priori, o caso do BPI seria um processo negocial privado, sujeito às regras da autonomia privada e da livre concorrência. Se o Estado pretendesse impor valores de ordem pública, fá-lo-ia através dos mecanismos formais previstos na Constituição.
3.1.Todavia, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa resolveram politizar o caso do BPI. Quando? Precisamente, quando o primeiro decidiu convidar Isabel dos Santos, negociando com a investidora angolana um plano para o BPI (a qual envolvia a aquisição da posição maioritária no Banco de Fomento Angolano como moeda de troca). Passos Coelho insurgiu-se contra esta iniciativa do Primeiro-Ministro, chamando a atenção para a promiscuidade entre a política e os negócios promovida pelo Governo socialista. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa puxou publicamente as orelhas ao líder do PSD, secundando a iniciativa de António Costa. E a maioria dos comentadores do PSD – por incrível que possa parecer – estiveram ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, contra Pedro Passos Coelho.
3.2.Pois bem, numa perspectiva diacrónica, Passos Coelho, neste ponto, revelou uma lucidez superior a todos os demais intervenientes políticos. A verdade é que (por muito que nos custe e que muitos comentadores estejam a tentar dourar a pílula) António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa ficam mal na fotografia – objectivamente, foram entalados ou derrotados por Isabel dos Santos. Num processo negocial em curso, a discrição é um activo precioso – os agentes económicos tentam obter para si o máximo de benefícios possíveis. Isabel dos Santos actuou como capitalista – não como agente do Estado. Nem do português, nem do angolano. Agiu em seu nome e por sua conta. Ponto final. Os tempos da política e dos negócios são diferentes – e não coincidentes. E bem assim as suas formas de actuação e de comunicação.
4.Quer António Costa, quer Marcelo Rebelo de Sousa agiram como políticos da velha guarda – ou seja, com os tiques dos governantes da época em que o poder político mandava, guiava, comandava os negócios privados. Quem não se lembra dos tempos em que Mário Soares convidava os empresários a abrir empresas, bancos, escolhia os sectores e ainda abria portas? Ou dos negócios ruinosos do tempo de Guterres, em que Jorge Coelho adquiriu, para o Estado, órgãos de comunicação social incompreensíveis numa lógica empresarial (mas compreensíveis numa lógica de controlo da imprensa)? Só que o mundo mudou – hoje os políticos não mandam nas opções individuais dos empresários e das empresas.
5.E ainda bem: caso contrário, só os amigos e os amiguinhos dos políticos poderiam criar valor e riqueza, para os próprios e para Portugal. Ao promoverem o diálogo com Isabel dos Santos (convidando-a para reuniões informais com o poder político português), Governo e Presidente da República deram-lhe um peso negocial singular, colocando a faca e o queijo na sua mão. E Isabel dos Santos – com a sua assertividade e o seu pragmatismo, sendo uma empresária muito dura nas negociações – percebeu e virou o jogo: deu a imagem de abertura e disponibilidade para chegar a um acordo, aceitando um acordo preliminar, o qual não abrangia pontos fundamentais sobre as quais havia discordâncias com o “La Caixa”.
5.1..Isabel dos Santos acreditou que uma vez consumado o acordo, e após o poder político português o ter aproveitado como arma de marketing político interno, o “La Caixa” não poderia perder a face e aceitaria (qual acto de desespero!) as exigências finais da investidora angolana. Se não o fizesse espontaneamente, o “La Caixa” seria forçado ao entendimento por Costa e Marcelo Rebelo de Sousa: após o Primeiro-Ministro e o Presidente terem declarado vitória, ficariam sem espaço político para recuar e dar o dito por não dito. Ou o feito por não feito. Balanço: Isabel dos Santos pode ter, financeiramente, perdido para já – mas, no final, poderá vir a ganhar (ou, pelo menos, a não perder).
5.2.Uma coisa é certa: Isabel dos Santos deu uma aula de negociação e de estratégia ao “La Caixa”, a Ulrich, a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa. Já para não dizer que Isabel dos Santos sai com a sua imagem de negociadora implacável e de empresária brilhantemente temível reforçada – parecendo que não é mesmo apenas a “filha do papá”, como querem fazer crer alguns intelectuais portugueses.
6.Dito isto, o erro capital de Marcelo Rebelo de Sousa foi o de ter anunciado, em discurso no Palácio de Belém para os embaixadores de países da União Europeia e à entrada do Hospital Santa Maria, que “humildemente contribui para a solução encontrada para o BPI, promovendo o diálogo entre entidades privadas, de supervisão e o poder político”. Rebelo de Sousa afirmou mesmo que modestamente contribuiu para o sucesso da negociação do BPI. Um Presidente da República com a experiência, a prudência, a inteligência de Marcelo não pode cometer um erro tão primário, a roçar a ingenuidade.
6.1.Então, o Presidente vai meter a sua autoridade política (que é muita!) em causa, dando como uma vitória sua um negócio que é privado – e que, a haver uma intervenção pública legítima, seria sempre da competência do Governo? Para quê? Para ficar bem no eleitorado socialista? E agora, o Presidente Marcelo vai pedir humildemente, modestamente desculpa aos portugueses porque foi demasiado ingénuo? É que, afinal, sabemos hoje que o acordo era um acordo pífio…Do Primeiro-Ministro, nada nos surpreende – Costa anda em campanha eleitoral há meses e assim continuará. Já o Presidente da República, usar como vitória um acordo que, afinal, não conhecia e que era manifestamente insuficiente?
7.Os portugueses já desconfiavam do Presidente Cavaco Silva sempre que se referia ao sistema financeira – quem não se lembra do que disse então Cavaco sobre o BES, antes do colapso? -, e a nossa sina parece subsistir. Agora, Marcelo Rebelo de Sousa deu uma razão adicional aos portugueses para não confiarem excessivamente na palavra do nosso Chefe de Estado em matérias de bancos e finanças. Se Marcelo quiser manter a sua legitimidade política singular para ajudar Portugal e os portugueses – e não apenas para ser popular -, não pode cometer erros ingénuos como o que cometeu neste caso do BPI. Infelizmente, o nosso Presidente da República esteve mal. Porque precipitado e imponderado. Desta feita, teria feito bem a Marcelo Rebelo de Sousa ouvir Pedro Passos Coelho.