Mais de 70% das divisas vendidas em Angola foram para garantir importação de alimentos

Maioria das divisas vendidas na semana passada foram para importar alimentos.

O Banco Nacional de Angola (BNA) vendeu, durante a semana passada, 336,3 milhões de euros em divisas aos bancos comerciais. De acordo com o relatório semanal do banco central, analisado pela Lusa, mais de 70% deste valor destinou-se a garantir a importação de alimentos.

Angola enfrenta uma crise económica, financeira e cambial por causa da quebra das receitas do petróleo que tem piorado a situação e que obrigou já a um pedido de ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Este pedido de feito pelas autoridades angolanas surge na sequência da forte quebra do preço do petróleo, matéria-prima de que dependem cerca de 80% das receitas de Angola. O ministro das Finanças angolano garantiu que não se trata de um resgate, mas esta assistência deverá ter consequências. As empresas estão optimistas e admitem que não existiam alternativas, mas há também há riscos no horizonte.

A verdade é que a situação das empresas portuguesas que operam em Angola está cada vez mais difícil. E a perspetiva de uma degradação adicional do ambiente de negócios assusta os empresários que viam o país africano como prioritário. As dívidas às empresas portuguesas estavam a aumentar, apesar de não existirem ainda valores concretos. Ao SOL, o presidente da Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) não escondia já em janeiro deste ano que situação era cada vez mais difícil. “Em primeiro, há um atraso nos pagamentos e depois existe ainda um outro grande problema que é o facto de os pagamentos estarem a ser feitos em kwanzas”, explicou Manuel Reis Campos, acrescentando não existir nenhum número concreto sobre a dívida que existe às empresas portuguesas.

Impacto na economia portuguesa

O pedido ao FMI tem também riscos de médio prazo. De acordo com uma análise do banco de investimento Haitong, empresas como BCP, BPI, Galp Energia, Mota-Engil, Nos e Ibersol, que são cotadas, podem ser afetadas por este recurso ao FMI. “Esta decisão deverá ter algum impacto na economia portuguesa já que as exportações para aquele país deverão ser travadas e algumas das empresas cotadas ou têm as suas operações no país ou têm o Estado angolano direta ou indiretamente na estrutura de capital”, refere o relatório.

Entre os trabalhadores portugueses em Angola há também receios com um eventual corte nos gastos públicos com infraestruturas. “A solução não passa pelo FMI. Não tenho dúvidas de que a situação vai piorar”, explica Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal, que antecipa que a desvalorização salarial faça com que o número de pessoas a sair do país continue a aumentar. “Se cortarem nos salários e nas obras, o que vai acontecer é que os que ainda lá estão e vão tentando aguentar vão regressar também. E falamos de milhares”.

Problema nas importações

A crise financeira e cambial que se faz sentir em Angola pode ter provocado também situações graves no abastecimento de produtos essenciais. Há vários produtos em falta nas superfícies comerciais, registando-se já situações de racionamento de artigos em alguns supermercados. De acordo com uma reportagem do “Expansão”, divulgada em fevereiro, a falta de produtos como os ovos, açúcar e arroz tem a ver com problemas de abastecimento que se têm acentuado com as dificuldades em importar produtos.

Na origem do problema estava, nesta altura, mais uma vez a falta de divisas, que se deve à forte quebra do preço do petróleo nos mercados internacionais. De acordo com a publicação, os produtos começaram a ser racionados para evitar tentativas de açambarcamento por parte de comerciantes que depois vendem nas ruas a preços muito mais elevados. Em causa estão os chamados cantineiros que, alegadamente, armazenam produtos para, caso desapareçam, os venderem ao preço que quiserem.