2.Feita a introdução com alguma pitada humorística – a qual agradecemos ao Manuel Serrão, pela sugestão e formulação primária – há que reconhecer que Pinto da Costa é um caso singular. Singular pela longevidade; singular pela centralização de poder mais perene que conhecemos em Portugal; singular, pela capacidade de resistência.
3.Singular pela longevidade. Jorge Nuno Pinto da Costa conseguiu a proeza de se manter na crista da onda por décadas e décadas. Sem qualquer contestação à sua volta, sem críticas relevantes quanto à sua gestão desportiva. E as únicas vozes que se levantaram ao longo dos muitos anos, rapidamente se calaram. Claro que as suspeitas de silêncio forçado dos potenciais dissidentes foram publicadas e ecoaram nos círculos de poder – político, desportivo e mediático – nacionais. Todavia, nunca foram provadas: logo, para a História, fica o Presidente unânime, consensual, que nunca ninguém ousara desafiar.
O que é explicado pelos conhecimentos de Ciência Política: a legitimidade de Pinto da Costa há muito que não é (apenas?) democrática – é uma legitimidade simbólica. Pinto da Costa já não é (apenas?) Presidente do Futebol Clube do Porto – é um símbolo do Futebol Clube do Porto. E os símbolos não se desafiam, nem se contestam. Aceitam-se. Se ganham, são heróis. Se perdem, continuam a ser heróis, os heróis da “resistência”, os heróis da bonança que se seguirá à tempestade. Para muitos, o fim de Pinto da Costa será o fim do Futebol Clube do Porto. O Futebol Clube do Porto será outro clube sem Pinto da Costa. Há muito – devido a esta dimensão simbólica – que Pinto da Costa é um Presidente vitalício. Será Presidente até ao fim da sua vida. Não temos dúvidas.
4.Singular pela centralização de poder mais perene que conhecemos em Portugal. O fenómeno nunca sucedeu no Glorioso Benfica, nem no Sporting. Nem nunca o fenómeno Pinto da Costa poderá ser replicado em outros clubes ou associações ou em qualquer outro centro de poder. É um fenómeno explicado pela dimensão incial do clube, pela sua natureza essencialmente regional nos primeiros tempos de Pinto da Costa, e pelos êxitos que Pinto da Costa obteve, os quais, em teoria, seriam inimagináveis para um clube com a estrutura e a natureza do Futebol Clube do Porto. O único caso comparável a Pinto da Costa vinha da política: a presidência de Alberto João Jardim na Madeira. Alberto João foi eleito pela primeira vez em 1978 – manteve-se no poder até 2015.
Ou seja, Alberto João já foi – Pinto da Costa continua. E continuará, pelo menos até 2020. Alberto João perfez trinta e sete anos no poder -Pinto da Costa prepara-se para completar 38 anos no poder. Sem oposição conhecida ou “não oculta”, pondo e dispondo. Enquanto Alberto João Jardim teve de enfrentar oposição interna nos últimos anos, tendo sido simpaticamente afastado por Miguel de Albuquerque – já Pinto da Costa tem, e terá, a vida muito mais sossegada.
O que é tanto mais extraordinário quanto pensarmos que Pinto da Costa é um Presidente centralista: não há no Porto uma separação de poderes ou divisão de tarefas. Futebol Clube do Porto é Pinto da Costa – Pinto da Costa é Futebol Clube do Porto. Evoque-se aqui que Pinto da Costa teve, em certos períodos históricos, um protagonismo político superior à do próprio Presidente da Câmara Municipal do Porto (basta pensar em Fernando Gomes, socialista, hoje, por acaso, administrador do clube).
Ou então pense-se na forma como Pinto da Costa enfrentou Cavaco Silva na questão da penhora do Estádio das Antas por dívidas fiscais, em 1994. E depois foi a causa imediata de muitas dores de cabeça de António Guterres e, ainda, foi o líder da oposição a Rui Rio. Um caso único de utilização do futebol como arma de protagonismo político. Um caso a estudar para perceber a dinâmica política de uma parte de Portugal – o norte da nossa Pátria – que é muito diferente de Lisboa e do Sul.
5.Singular pela capacidade de resistência. Para além da glória, os anos Pinto da Costa foram marcados – e isto é factual, não opinativo – pela revelação de dados muito pouco abonatórios (mesmo sinistros) do cidadão Pinto da Costa. Desde as escutas que foram divulgadas do processos judicial conhecido como “Apito Dourado” até a sua ligação a Carolina Salgado e à criminalidade (através de um grupo de segurança) na noite do Porto, a imagem de Pinto da Costa foi-se desgastando no exterior do clube – mas nunca dentro do clube. Obviamente, nós, como juristas, não podemos validar as escutas ilegais, nem tão pouco considerar Pinto da Costa culpado depois de uma decisão absolutória dos tribunais portugueses. Pinto da Costa é inocente, assim manda o princípio do Estado de Direito. Porém, nunca ouvimos as escutas e lemos as notícias – portanto, não podemos mentalmente ignorar estas ligações perigosas de Pinto da Costa. Daí que a autoridade de hoje do Presidente do Futebol Clube do Porto é muito menor do que era há uma década e ainda menor do que era há duas décadas. O fim dos ciclos político-presidenciais vitalícios nunca é simpático, nem glorioso.
6.Perante este historial e a ausência de contestação interna no Futebol Clube do Porto, não compreendemos as falhas democráticas do processo eleitoral de ontem. Então, os votos em branco contam como votos a favor do Presidente? Mas o Porto não é a “República das Bananas”! Na “República das Bananas” é que os votos em branco contam como votos a favor do poder vigente. Mais: o Regulamento da Assembleia-Geral com tão ditosa regra é inconstitucional – o voto em branco é um voto em branco, não é um voto a favor de ninguém. Isto viola o princípio democrático que também se aplica a organizações de natureza essencialmente privada: o Futebol Clube do Porto pertence a um Estado que tem uma Constituição, que é para cumprir. Por muito que nos (lhes) custe…Nas redes sociais, Pinto da Costa já mereceu o cognome do “Presidente lava mais (quadradinho) branco…”.
Para quê, Pinto da Costa? O Senhor ganharia as eleições com uma margem larguíssima. Para quê ofender a democracia e a Constituição desta forma? Nós até lhe reconhecemos qualidades de inteligência, de bom gosto, de cultura e de boa educação no trato pessoal. Porquê ganhar desta forma tão pouco edificante? Apesar de tudo, Pinto da Costa vale mais do que isto…
7.Em suma, Pinto da Costa foi um Presidente verdadeiramente maquiavélico: para ele, os fins sempre justificaram os meios. Tornar o Futebol Clube do Porto maior foi o seu objectivo e, para o alcançar, fez tudo. Mesmo tudo – ainda que tivesse de actuar para além da legalidade ou nas suas fronteiras… Um facto é indesmentível: Pinto da Costa, cada dia que passa, é mais passado – e menos, muito menos, futuro. O futuro do FCP é, por isso, cada dia mais incerto. E preocupante para os seus adeptos. Pinto da Costa foi história – Pinto da Costa vai ser História. Sem dúvida.
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