Moçambique. Governo reconhece ter escondido mais de mil milhões em dívida externa

Governo reconhece ter escondido mais de mil milhões em dívida externa. FMI suspende empréstimo.

Chegou tarde demais o reconhecimento público do governo de Moçambique face às dívidas ocultadas aos parceiros internacionais – o FMI já cancelara a missão de observação prevista para a próxima semana e, mais grave, suspendera o pagamento da segunda tranche do empréstimo, no valor de 155 milhões de dólares.

“Recebemos esta semana confirmação das autoridades da existência de um empréstimo de grande montante que não havia sido previamente revelado ao FMI”, disse a diretora do departamento africano do Fundo Monetário Internacional, Antoinette Sayeh, ao anunciar o adiamento da missão ao país até estar concluída a “avaliação completa dos factos”. 

Segundo a mesma responsável, o “empréstimo não revelado excede os mil milhões de dólares e altera significativamente a avaliação do panorama macroeconómico de Moçambique”. Antes pensava-se tratar-se apenas do empréstimo contraído pela Empresa Moçambicana de Atum (Enatum), que em 2013 emitiu títulos de dívida no valor de 850 milhões de dólares nunca declarados pelas autoridades. Mas depois soube-se que outra empresa pública, a Proindicus, contraiu empréstimos no valor de 622 milhões, tendo o “Financial Times” noticiado que uma terceira firma do Estado moçambicano tem dívidas de 500 milhões – e nenhum destes valores fora declarado. “É provavelmente um dos piores casos de entrega de dados errados por parte de um governo que o FMI viu num país africano nos últimos tempos”, disse fonte do FMI ao diário britânico.

No total são quase dois mil milhões de dólares em nova dívida que vão alterar por completo as previsões económicas do país. Com a certeza de que estas revelações vão agravar o problema da dívida – avaliada em 73,6% do PIB em 2015 –, a negociação de títulos de dívida do Estado moçambicano atingiu na quarta-feira os 14% de juros, um máximo histórico no país. 

O caso está a gerar uma crise política no país, com membros da própria Frelimo – o partido do poder – a colocarem-se ao lado da oposição ao pedir explicações ao governo, num momento em que se teme que não haja financiamento para garantir o pagamento dos salários da função pública. 

E o problema não é apenas financeiro, uma vez que no meio das revelações se soube que a Enatum gastou apenas 350 milhões na compra de embarcações de pesca, especulando- -se na imprensa local que os restantes 500 milhões tenham sido desviados para a compra de material militar, num país onde apenas há três meses o secretário–geral da Renamo foi baleado após um comício.