Fundador do Teatro da Cornucópia, Luís Miguel Cintra despediu-se dos palcos em outubro passado justamente com uma peça de Shakespeare, Hamlet. «Tem uma maneira de escrever teatro que é muito bonita. Depois de uma dramaturgia e de uma filosofia em que tudo era referido a Deus e o homem surgia sempre como obediente a uma autoridade máxima, as peças de Shakespeare põem o homem em questão ao mesmo que o colocam no centro da vida. O homem deixou de estar sujeito ao destino».
A melhor peça para compreender a obra de Shakespeare, para Cintra, é mesmo a última que representou – Hamlet. «Ler o original é um grande exercício porque, de facto, são versos de grande qualidade. A Sophia [de Mello Breyner] ao fazer a tradução traz qualquer coisa de muito pessoal, que é uma capacidade que ela tem de dominar a oralidade. E isso favorece a transmissão do sentido, é mais fácil para os portugueses perceberem a peça com a tradução da Sophia do que aos ingleses com o original».
E qual o legado do poeta? «As pessoas têm a sensação que as peças principais de Shakespeare fazem parte da sua cultura mesmo que não as tenham lido, porque viram uma referência qualquer ou uma adaptação. Se se diz ‘Otelo’, ‘Macbeth’, ‘Hamlet’, as pessoas têm mais ou menos noção da história, ainda que o importante do Shakespeare não seja a história mas o que fica pendurado na história».