Marcelo Rebelo de Sousa e Passos Coelho: o jogo do rato e do gato (um deles vai cair)

Escrevemos, no nosso texto anterior, que Marcelo Rebelo de Sousa pretendeu deliberadamente isolar o PSD de Passos Coelho, no seu discurso na sessão solene de evocação do 25 de Abril. De facto, a frase segundo a qual quem quiser protagonizar soluções governativas terá que adaptar as suas soluções às novas circunstâncias só pode ter um…

Esta conclusão é facilmente alcançável por exclusão de partes.

O PS de António Costa lidera o Governo, sendo o protagonista do “tempo novo”, constituindo, até ao momento, uma dupla à prova de bala com Marcelo Rebelo de Sousa. Quando António Costa diz “mata”, Marcelo Rebelo de Sousa diz “esfola”. Quando António Costa defende as soluções orçamentais da geringonça com afinco; Marcelo Rebelo de Sousa defende as soluções orçamentais da geringonça com afinco ao quadrado.

Assim que se nota um esvaziamento de convicção política no Governo do extremo-PS com a extrema-esquerda, lá vem Marcelo Rebelo de Sousa reparar a geringonça, instilando energia e convicção. E, como lenitivo cimeiro das dores políticas da geringonça, Rebelo de Sousa escolheu o ataque, não poucas vezes feroz (embora subtil), à actual liderança do PSD. Popularidade oblige.

Já o CDS, partido que integrou a anterior coligação governativa, mudou de liderança e de estilo de oposição – por conseguinte, a crítica de Marcelo não lhe encaixa. Ao invés, ao afirmar que os protagonistas do passado têm que alterar as suas soluções políticas ao novo tempo, Rebelo de Sousa elogiou implicitamente a saída de Paulo Portas e a entrada em cena de Assunção Cristas. Até no namoro público a Assunção Cristas, o Presidente-Rei Marcelo está em completa sintonia com António Costa, o seu antigo aluno na Faculdade de Direito (como relembra à exaustão).

Já o BE e o PCP estão dissolvidos na geringonça, sendo, actualmente, politicamente irrelevantes. António Costa über alles à esquerda.

Conclusão lógica: o recado de Marcelo Rebelo de Sousa dirigia-se exclusivamente a Pedro Passos Coelho. Mais um indício claro de que o Presidente está empenhado na mudança de liderança no seu partido de origem. Objectivo: adoptar o discurso de que a página de austeridade já foi virada, pertence ao passado. E que a solução austeritária de Pedro Passos Coelho falhou.

Por outro lado, a saída de cena de Passos Coelho traria uma vantagem adicional para Marcelo Rebelo de Sousa – uma maior facilidade na concretização do seu compromisso eleitoral de promoção de consensos entre as forças políticas. O entendimento duradouro, mesmo em matérias estruturantes, entre Passos e António Costa será uma missão quase impossível. São duas personalidades antagónicas. São duas visões do mundo contraditórias, que nem sequer se interceptam.

Acresce, ainda, que António Costa é um artista da política, um habilidoso; Passos Coelho um homem que se julga investido numa missão histórica de salvar Portugal, com rigor e sobriedade. Podemos afirmar, mutatis mutandis, que António Costa é uma réplica de Mário Soares; Passos Coelho é uma réplica de Aníbal Cavaco Silva.

E Marcelo? Marcelo aproxima-se mais de António Costa, na visão lúdica da política e nas jogadas de bastidores que lhes suscitam um prazer quase metafísico. Logo, é natural que Marcelo queira proteger ao máximo o líder socialista – e declarar a certidão de óbito político de Passos Coelho.

Enfim, Passos e Marcelo vão jogar ao jogo do rato e do gato nos tempos mais próximos – sem o expressarem publicamente, tentarão condicionar-se reciprocamente. Até porque Marcelo – por incrível que pareça  – já veio abrir o tabu sobre a sua recandidatura daqui a cinco anos, em plena colheita de morangos no Alentejo. Ora, Marcelo dificilmente será entronizado Presidente de novo se Passos Coelho voltar a ser Primeiro-Ministro. Porquê? Fácil.

Se Passos Coelho voltar a ser Primeiro-Ministro, Marcelo Rebelo de Sousa será confrontado com o mesmo problema de Cavaco Silva: a sua cooperação institucional com o Governo será interpretada como um frete ao seu partido de origem. Como um regresso aos tempos da austeridade patrocinada por Belém marcelista – o que provocará, naturalmente, a alienação do eleitorado de esquerda. Neste cenário, bastará ao PS apresentar um candidato forte para substituir Marcelo e reconquistar a Presidência da República.

Se, pelo contrário, o PSD mudar de líder e o novo líder revelar uma química especial com António Costa – os tais consensos serão possíveis e exequíveis, sob a batuta do maestro Rebelo de Sousa, criando-se o cenário favorável a uma grande coligação de apoio à recandidatura de Rebelo de Sousa. A sua campanha para um segundo mandato será um novo passeio triunfal.

Ou seja: na estratégia pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em vista a sua reeleição, há três objectivos: 1) evitar o colapso da geringonça, sobretudo se motivado por Bruxelas, para não se realizarem eleições das quais possa resultar a vitória de Passos Coelho; 2) acelerar o processo de substituição de Passos Coelho da liderança do PSD, o qual será intensificado, a partir de Belém, no último trimestre de 2017 em diante, após as autárquicas; 3) a falhar a mudança de líder do PSD, aguentar ao máximo António Costa, facilitando-lhe o cumprimento integral da legislatura, realizando-se eleições apenas no final de 2019, data já próxima das presidenciais em que Marcelo disputará a reeleição, caso não perca por falta de comparência.

Um facto é incontroverso: Marcelo Rebelo de Sousa e Passos Coelho não podem coexistir. São politicamente incompatíveis. Um deles terá de ceder. Quem cairá primeiro? Marcelo Rebelo de Sousa? Pedro Passos Coelho? Veremos. Os dados estão lançados.

joaolemosesteves@gmail.com