2. Num registo desassombrado, sem medos, nem vergonha do passado, Passos Coelho fez o balanço definitivo da sua governação – e lançou pistas quanto à sua estratégia para o futuro. Humildemente, reconheceu que cometeu erros ao nível da gestão política, admitindo o erro colossal que foi a medida de alteração da TSU, a qual impediu a concretização da agenda reformista do Governo nos anos subsequentes da legislatura.
2.1. Ou seja: ao contrário do que afirmam os socialistas (acompanhados pelos seus camaradas de armas do PCP e do BE), Passos Coelho não pinta um quadro idílico da sua governação. Reconhece, tão-só, que fez o que o interesse nacional impunha nas circunstâncias em que se encontrava Portugal à época da sua liderança governativa. Foi um período socialmente difícil, agravando-se as desigualdades sociais e uma ruptura do tecido social indesejável? Sem dúvida – contudo, a bancarrota nacional teria provocado danos muito piores, diríamos mesmo irreversíveis para uma geração de portugueses.
3. Passos Coelho revela, portanto, uma humildade sincera e lúcida na análise política dos seus anos como Primeiro-Ministro. Seria muito relevante (fica aqui a sugestão) que Passos Coelho apresentasse o seu testemunho, completo e desenvolvido, sem as desonestidades intelectuais dos socialistas e daqueles que estão ao seu serviço, da experiência de gerir Portugal com a pressão cortante e permanente das instituições europeias e internacionais (a dita “troika”).
4. A nossa memória colectiva – e as gerações presentes e futuras – merecem este gesto patriótico, para que os “vendedores da banha da cobra” (que, em política, têm o nome de “socráticos” à portuguesa, não o filósofo grego) não voltem a colocar Portugal em perigo e os portugueses à beira da ruína. Porque não escrever livro de memórias políticas?
5. Posto isto, a entrevista publicada na última edição do SOL apresentou duas novidades políticas analiticamente assaz curiosas:
Passos Coelho não intervém nos debates parlamentares, confrontando António Costa, pelo facto de o Primeiro-Ministro converter tais debates em comícios partidários. Passos queixa-se que António Costa não responde às suas perguntas, preferindo dar um show político. Passos Coelho tem toda a razão na sua análise: o que se tem passado na Assembleia da República não dignifica o Parlamento como casa da democracia e órgão representativo de todos os portugueses. Todavia, precisamente porque António Costa é um fingidor, é que se imporia uma presença mais forte e uma intervenção mais frequente e assertiva do líder do PSD: para mostrar as diferenças de estilo, de seriedade e de conteúdo. Ao esconder-se, Passos Coelho está a entregar o palco a António Costa – e a fragilizar a sua liderança. Actualmente, Luís Montenegro parece ser o líder de facto do PSD. Dir-se-á que Passos Coelho, como ex-Primeiro-Ministro, não quer fragilizar a imagem positiva de rectidão e firmeza que os portugueses guardam de si. Certo: mas essa imagem acabará por dissipar-se se Passos Coelho não se afirmar como o rosto do futuro – e não (apenas) do passado traumático que vivemos;
Passos Coelho irá optar por não apresentar nenhuma proposta significativa, estrutural, de fundo para o futuro de Portugal. O PSD limitar-se-á a propor sugestões de alterações legislativas pontuais, sectoriais e muito específicas. Cai, assim, por terra a ideia da constituição de um “Governo-sombra” ou de uma oposição centrada em ideias. Isto é, Passos Coelho prefere a táctica à estratégia. Passos Coelho tem uma táctica – esperar para ver os números da execução orçamental e a capacidade da “geringonça” em acertar posições tendentes à aprovação do Orçamento de Estado para o próximo ano. Se a geringonça aguentar, pelo menos, dois anos – Passos Coelho perde e sairá da liderança do PSD. Se a geringonça cair até 2017 ou, pelo menos, apresentar sinais de degradação quanto à sua solidez política – Passos Coelho aguenta-se e começará então a preparar efectivamente um novo ciclo político. Daí que Passos Coelho abra a porta (pela primeira vez!) à sua não continuidade como líder do PSD, depois de 2017.
6. O nosso último ponto ajuda a explicar a entrevista de Maria Luís Albuquerque, ao “DN”, na sexta-feira passada…Sobre ela, falaremos em próximo texto.
7. Uma conclusão derradeira se impõe: o discurso de Passos Coelho é um discurso de compromisso entre o político que quer ajudar Portugal (evitando que António Costa destrua, com a sua habitual irresponsabilidade, o trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos) – e o político que já está noutro filme e quer apenas consolidar a sua imagem junto da opinião pública, ao mesmo tempo que prepara a sua sucessão.
8. Passos Coelho estará já com a cabeça na sua candidatura a Belém? Será por isso que Marcelo Rebelo de Sousa seja sempre tão rápido a responder a todas as declarações de Passos Coelho? O jogo do rato e do gato continua…