A independência dos bancos centrais

Em 1997, Gordon Brown, ministro das Finanças do primeiro governo trabalhista de Tony Blair, deu independência ao Banco de Inglaterra. Até aí, este banco central recebia ordens do Ministério das Finanças, por exemplo para subir ou descer a taxa de juro.

Os bancos centrais dos países do euro tornaram-se independentes dos governos por exigência da Alemanha. Era assim que funcionava o Bundesbank, o banco central alemão. Os alemães nunca esqueceram a terrível hiperinflação de 1923, quando o governo germânico mandou o seu banco central imprimir dinheiro em grandes quantidades para pagar salários e pensões. Resultado: uma vertiginosa subida dos preços, que pulverizou todas as poupanças.

Por isso, o Bundesbank, criado em 1957, era independente dos governantes. Prosseguiu uma feroz política monetária contra tensões inflacionistas, ainda que desagradasse ao poder político. Este regime passou para o Banco Central Europeu.

Também independente dos políticos eleitos é o banco central americano, a Reserva Federal (Fed), criada em 1913. Paul Volcker foi governador da Fed entre 1979 e 1987; no início do mandato deparou-se com uma elevada inflação. Volcker  combateu-a com taxas juro altas, naturalmente impopulares. Resultou uma recessão e uma subida do desemprego, mas Volcker baixou a inflação americana de 14% em 1980 para menos de 3% três anos depois.

Não será pouco democrático colocar os bancos centrais fora da alçada dos políticos eleitos? O mesmo, aliás, se pode dizer de outras entidades reguladoras independentes – já não falando dos juízes. É, de facto, uma entorse à democracia. Mas há quem a considere conveniente (é o meu caso). Afastar os bancos centrais do ciclo político impede que os governantes ditem políticas monetárias expansionistas, facilitando o crédito, em vésperas de eleições.

Nem todos aceitam essa entorse à democracia. Entre nós, por exemplo, o economista João Ferreira do Amaral opõe-se à independência dos bancos centrais. E no Reino Unido o Partido Trabalhista (que, como vimos, tornou o Banco de Inglaterra independente do governo britânico), hoje com um líder situado muito à esquerda, Jeremy Corbyn, é contra essa independência.   

Mesmo políticos que são, em princípio, defensores da independência dos bancos centrais não se escusam a criticá-los. Wolfwang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha, criticou recentemente medidas do BCE, alegando que os juros baixos resultantes da sua aquisição maciça de títulos prejudicam os aforradores alemães. Draghi lembrou-lhe a independência do BCE. Em Berlim começa a ouvir-se a exigência de que seja alemão o sucessor de Mario Draghi.

No Ministério das Finanças português não parece existir uma noção clara do que seja a independência do Banco de Portugal, integrado no Sistema Europeu de Bancos Centrais. O secretário de Estado Adjunto do Tesouro e Finanças acusou o Banco de Portugal de ter cometido uma “falha de informação grave”. Ora, uma falta grave é a única que pode ser invocada para afastar o governador do Banco de Portugal. Carlos Costa explicou que não podia informar o Governo porque tinha que respeitar a independência do BCE.

O ministro Centeno recuou, embora insistindo em que havia coisas que Carlos Costa devia ter transmitido ao Governo. Mas já não classificou como ‘grave’ a alegada falta do governador…