Os bancos centrais dos países do euro tornaram-se independentes dos governos por exigência da Alemanha. Era assim que funcionava o Bundesbank, o banco central alemão. Os alemães nunca esqueceram a terrível hiperinflação de 1923, quando o governo germânico mandou o seu banco central imprimir dinheiro em grandes quantidades para pagar salários e pensões. Resultado: uma vertiginosa subida dos preços, que pulverizou todas as poupanças.
Por isso, o Bundesbank, criado em 1957, era independente dos governantes. Prosseguiu uma feroz política monetária contra tensões inflacionistas, ainda que desagradasse ao poder político. Este regime passou para o Banco Central Europeu.
Também independente dos políticos eleitos é o banco central americano, a Reserva Federal (Fed), criada em 1913. Paul Volcker foi governador da Fed entre 1979 e 1987; no início do mandato deparou-se com uma elevada inflação. Volcker combateu-a com taxas juro altas, naturalmente impopulares. Resultou uma recessão e uma subida do desemprego, mas Volcker baixou a inflação americana de 14% em 1980 para menos de 3% três anos depois.
Não será pouco democrático colocar os bancos centrais fora da alçada dos políticos eleitos? O mesmo, aliás, se pode dizer de outras entidades reguladoras independentes – já não falando dos juízes. É, de facto, uma entorse à democracia. Mas há quem a considere conveniente (é o meu caso). Afastar os bancos centrais do ciclo político impede que os governantes ditem políticas monetárias expansionistas, facilitando o crédito, em vésperas de eleições.
Nem todos aceitam essa entorse à democracia. Entre nós, por exemplo, o economista João Ferreira do Amaral opõe-se à independência dos bancos centrais. E no Reino Unido o Partido Trabalhista (que, como vimos, tornou o Banco de Inglaterra independente do governo britânico), hoje com um líder situado muito à esquerda, Jeremy Corbyn, é contra essa independência.
Mesmo políticos que são, em princípio, defensores da independência dos bancos centrais não se escusam a criticá-los. Wolfwang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha, criticou recentemente medidas do BCE, alegando que os juros baixos resultantes da sua aquisição maciça de títulos prejudicam os aforradores alemães. Draghi lembrou-lhe a independência do BCE. Em Berlim começa a ouvir-se a exigência de que seja alemão o sucessor de Mario Draghi.
No Ministério das Finanças português não parece existir uma noção clara do que seja a independência do Banco de Portugal, integrado no Sistema Europeu de Bancos Centrais. O secretário de Estado Adjunto do Tesouro e Finanças acusou o Banco de Portugal de ter cometido uma “falha de informação grave”. Ora, uma falta grave é a única que pode ser invocada para afastar o governador do Banco de Portugal. Carlos Costa explicou que não podia informar o Governo porque tinha que respeitar a independência do BCE.
O ministro Centeno recuou, embora insistindo em que havia coisas que Carlos Costa devia ter transmitido ao Governo. Mas já não classificou como ‘grave’ a alegada falta do governador…