Sérgio Ramos: “Ninguém gosta de acabar a carreira numa cama de hospital”

Treina os sub-16 do Benfica, dá aulas na Lusófona, está a tirar um doutoramento e aos 40 anos ainda arranjou tempo para voltar a jogar na Proliga. Em entrevista ao SOL, Sérgio Ramos, um dos maiores talentos da sua geração, fala da lesão que o obrigou a terminar a carreira e divulga o seu centro…

Com que idade pegou pela primeira vez numa bola de basquetebol?

Aos 10 anos, no Maria Pia Sport Clube, um clube de bairro, perto de minha casa, por iniciativa da minha mãe. Gostei muito. A partir daí, nunca mais deixei de jogar.

Foi amor ao primeiro cesto? Ou chegou a fazer outro desporto?

Na escola primária jogava futebol. Era o que todas as crianças mais gostavam no recreio. Só na parte final do 1.º ciclo é que me dediquei em exclusivo ao basquetebol, já como federado.

Cresceu com o sonho de se tornar um jogador famoso?

Não, no início o que nós queremos é estar com os amigos, aprender a jogar e a melhorar. O meu objetivo nunca foi ser profissional ou ter uma carreira. As coisas surgiram naturalmente.

Ainda assim, teve uma subida a pulso no arranque da carreira?

O Maria Pia infelizmente era um clube pequeno, então aos 14 anos segui com o meu treinador e alguns jogadores para o Estrelas da Avenida, que tinha uma equipa sénior na primeira divisão. Com 16 anos já jogava na equipa sénior. Não regularmente, mas ia ao banco e entrava alguns minutos. Ao mesmo tempo jogava nos juniores e ainda era estudante. Já recebia algum dinheiro, mas não tinha ainda a perspetiva de ser profissional. 

Tem ideia de quanto recebia?

À volta de 75/100 contos. Agora seriam cerca de 400/500 euros. Era um valor relativamente baixo. Por isso continuei a estudar até ir para o Benfica.

Conseguiu conciliar sempre a escola com os treinos e jogos?

Sim, era dos melhores alunos da turma e tinha uma boa média. Até ao 12.º ano não tive dificuldades. 

E como surgiu o convite do Benfica?

Com 18 anos já jogava 30 minutos na equipa principal do Estrela e era dos melhores marcadores. Um dos que tinha maior potencial. O Benfica interessou-se.

Foi a única proposta que teve?

Também recebi uma do Sporting, mas por afinidade clubística decidi ir para o Benfica, que era a equipa com mais nome, prestígio e jogava nas competições europeias. Não foi muito difícil tomar a decisão.

Seguiram-se passagens pelas principais Ligas de Itália e Espanha, onde durante uma década se tornou o principal embaixador do basquetebol nacional. O que o levou a emigrar?

A primeira motivação foi a ambição de melhorar como jogador, mas é óbvio que a parte financeira também  foi encarada a longo prazo. Era um desafio para mim ir lá para fora e ver se realmente conseguia competir com os melhores jogadores da Europa.

É considerado um dos maiores talentos da sua geração. Concorda com a distinção?

Se calhar a certa altura fui dos que mais me destaquei, mas continuo a considerar que o Paulo Pinto, não só como jogador mas também pela sua maneira de ser, foi um dos melhores, senão o melhor, da minha geração. Como atleta, homem e pessoa. Deixou-nos de maneira trágica, mas foi sempre uma referência.

O que mais o marcou em 27 anos de carreira?

Ter sido campeão três vezes pelo Benfica, ter conseguido bons desempenhos no ACB (equipa espanhola) contra equipas como Barcelona e Real Madrid e ser considerado o melhor jogador da semana e do mês na melhor Liga da Europa. Foi lá fora que me senti mais valorizado como profissional.

Representou a Seleção Nacional 115 vezes, integrando a melhor campanha internacional, com o nono lugar no Eurobasket’2007. Recorda-se?

As coisas correram bem, acima até das nossas expectativas. Tivemos um pouco de sorte nos resultados, mas conseguimos competir com os melhores e alcançar um feito histórico.

Aos 36 anos, novamente de águia ao peito, decidiu colocar um ponto final na carreira. 

No final desse ano tive uma lesão, fui operado a uma hérnia discal e estava em fase de recuperação. O Benfica tomou a decisão de não renovar contrato. Tive a opção de voltar a jogar noutro clube, acabei por terminar a carreira. Não foi fácil. Ninguém gosta de acabar a carreira numa cama de hospital.

Atualmente, não só treina os sub-16 do Benfica como ainda é professor na Universidade Lusófona e voltou a jogar na Proliga (segunda divisão) pelo Atlético.

Há três anos que não pegava numa bola de basquetebol. Só dava umas corridinhas. Fui desafiado por antigos colegas meus e gostei do ambiente. Permite-me desfrutar do desporto que eu amo e que fez parte da minha vida durante muito tempo.

Foi considerado um dos MVP da Proliga. O basquetebol para si é como andar de bicicleta?

(Risos) É o que dizem. O nível não é tão exigente como os campeonatos em que eu estive, mas mesmo com limitações as coisas têm corrido bem. A minha preparação é a mesma. Respeito os jogadores da mesma maneira.

Pelo meio ainda criou um Campus para jovens jogadores de basquetebol.

O Sérgio Ramos Basketball Camp, que já vai na quarta edição, surgiu como uma necessidade minha como pai, porque quando acabavam as aulas não tinha nenhum sítio para colocar as minhas filhas. E também porque como o basquetebol deu-me tanto, decidi oferecer às crianças (dos 8 aos 16 anos) uma experiência de qualidade. Onde eles aprendem não só a jogar, a passar ou a lançar, como a respeitarem-se. Trabalhamos normalmente com 60 crianças. O feedback tem sido positivo.