«Tínhamos de reservar um espaço para os estudantes, não podíamos ter jovens naquele estado ao lado de outras situações agudas como doentes com enfarte». Isabel Fonseca, diretora do serviço de urgências do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), lembra como, noutros anos, a semana da festa académica chegava a levar 50 a 60 jovens às urgências de uma vez, entupindo o serviço, que tinha de ser reforçado.
Há três anos, uma parceria entre a Cruz Vermelha, a Proteção Civil e o INEM aliviou o centro hospitalar, que passou a estar de retaguarda. Agora, é na rua que o trabalho não para: no espaço de uma semana, registaram-se mais de 400 ocorrências na queima das fitas, a maioria intoxicações alcoólicas.
17 ambulâncias e 115 pedidos de socorro só no domingo
O modelo seguido em Coimbra foi pioneiro no país e assemelha-se aos hospitais de campanha erguidos nos festivais ou nas peregrinações a Fátima. Desde 2013, são instalados dois postos médicos avançados, com autonomia para tratar intoxicações alcoólicas com medicação e soro ou mesmo fazer pequena cirurgia.
Tudo começou na latada de 2013, mas depressa o projeto, cofinanciado pela Associação Académica de Coimbra, revelou ser eficaz. Os jovens têm uma resposta mais pronta e o CHUC não fica sobrecarregado, disponibilizando meios quando tal é necessário.
«Hoje, mal damos pela queima das fitas no hospital», diz Isabel Fonseca, admitindo, contudo, que o número de ocorrências continua a gerar muita preocupação.
É Gonçalo Órfão, médico voluntario na Cruz Vermelha e coordenador da resposta de emergência, que faz o balanço: só no dia do cortejo académico, no passado domingo, tiveram 115 pedidos de socorro: 71 intoxicações alcoólicas, 30 traumatismos e 10 casos de doença súbita, como quebras de tensão, indigestão ou problemas do foro intestinal.
O trabalho mobilizou 127 voluntários e além de 12 ambulâncias da Cruz Vermelha estiveram no local cinco ambulâncias dos bombeiros. «Mesmo assim, com 17 ambulâncias, chegámos a ter pessoas à espera», diz o responsável.
No dia do cortejo, cerca de 90 pessoas precisaram de ir aos postos médicos e chegaram a ter mais de 40 a fazer soro em simultâneo. Só nove casos foram encaminhados para o CHUC. Já durante a semana, nas noites do parque, foram socorridas perto de 300 pessoas, 70% com intoxicações alcoólicas. Só oito foram transportadas para o centro hospitalar.
Bengaladas nas ambulâncias
Gonçalo Órfão diz não ter havido um aumento dos casos nos dias da semana, mas no dia do cortejo o afluxo excedeu o habitual. Se o álcool é o problema recorrente, a chuva que se abateu piorou a situação. «Tivemos mais casos de hipotermia, que se acentua com o álcool», explica o médico.
Não havendo um aumento dos incidentes no global, os dados sugerem que a consciencialização para os riscos do consumo excessivo está longe de ter efeito prático na tradição académica, que inclui a distribuição gratuita de bebidas alcoólicas.
Órfão admite que só estando no local se tem a noção do grau de alienação dos jovens. «Querermos passar com uma viatura de socorro e não nos darem passagem ou andarem à bengalada a uma ambulância, o que aconteceu este ano pela primeira vez, mostra o ponto a que chegam», diz o médico.
Mas não socorrem apenas jovens. «O facto de o álcool ser distribuído gratuitamente traz muitos consumidores oportunistas», acrescenta. Também com pouco autocontrolo: este ano, a pessoa mais velha a que deram assistência tinha 60 anos.
Gonçalo Órfão foi estudante em Coimbra e reconhece que nos últimos anos tem havido um esforço para reforçar a segurança: além da parceria para garantir uma resposta de emergência mais pronta, a Câmara proibiu o uso de garrafas de vidro nas festas.
Neste momento, defende o médico, falta sobretudo reforçar a sensibilização. «Não acredito que seja possível proibir o álcool, mas é preciso prevenirem melhor os riscos. Empoleiram-se nos carros, atiram-se ao rio. No ano passado, chegámos a ter uma situação de pré-afogamento. Temos feito algum trabalho conjunto com a associação académica, mas não chega». Isabel Fonseca concorda e lembra casos graves de álcool e drogas, com episódios de convulsões, mas também casos de jovens, em particular raparigas, que depois lamentam comportamentos de risco.
Este ano, os casos mais graves foram dois traumatismo crânio-encefálico, situações que podem ser fatais. Gonçalo Órfão, que agora está de serviço em Fátima, não tem dúvidas: o 13 de Maio atrai centenas de milhares de pessoas, muito mais do que a queima, mas são dias muito mais calmos do que em Coimbra.