Domingos Piedade, antigo presidente do conselho de administração da Circuito Estoril (CE), empresa estatal que explora o Autódromo do Estoril, e Isabel Brazão, ex-administradora da mesma empresa, foram acusados pelo Ministério Público (MP) de crimes de abuso de poder, falsificação e peculato. Em causa estão irregularidades na gestão, como a utilização de cartões de crédito da empresa ao longo de vários anos para pagamento de despesas pessoais, além do recebimento adiantado de vencimentos que depois não foram autorizados pelas Finanças, sendo que o MP reclama de Domingos Piedade a devolução de 14.600 euros.
O processo teve origem numa auditoria da Parpública, holding do Estado que desde 2002 é dona da CE. Domingos Piedade, também conhecido pelos comentários de transmissões televisivas de Fórmula 1, presidiu ao conselho de administração da CE entre 2003 e 2012 e Isabel Brazão foi vogal executiva entre 2007 e 2012.
Segundo a acusação, além de um salário entre 3.500 e 3.800 euros, tinham um cartão de crédito com plafond até 7.500 euros, para suportar despesas ao serviço da CE. No entanto, sustenta o MP, os gestores utilizaram o cartão «para pagamento de despesas pessoais», adquiriram «produtos para si ou seus familiares» e fizeram levantamentos em numerário e transferências para as suas contas. Os valores «eram inseridos numa conta corrente» com a CE e depois, «ocasionalmente, sem qualquer regularidade, quando o decidiam fazer», os arguidos procediam ao pagamento de parte do saldo dessas contas corrente, «através de deduções ao vencimento ou por transferência bancária».
Entre essas despesas estiveram, por exemplo, a fatura mensal do telefone de um filho de Domingos Piedade durante mais de três anos, bem como gastos em restaurantes, cabeleireiros, farmácia, hotéis e viagens de avião.
Ordenados e retroativos sem autorização das Finanças
Além disso, o MP diz que, em várias ocasiões e por ordem dos arguidos, a CE entregou-lhes quantias «a título de adiantamento por vencimentos futuros», sendo os valores incluídos também nas referidas contas corrente. Segundo o MP, tanto Domingos Piedade como Isabel Brazão continuaram a usar o cartão de crédito mesmo depois de o Governo, em março de 2012, ter proibido essa prática aos gestores públicos.
Além disso, em julho de 2012, após os cortes de ordenados no setor público, ambos requereram ao Ministério das Finanças autorização para auferirem um vencimento superior calculado com base no valor médio dos últimos três anos dos seus lugares de origem, possibilidade prevista no estatuto do gestor público. Dois meses depois, apesar de ainda não terem resposta e de a autorização das Finanças ser imprescindível, os arguidos deram ordens aos serviços da CE e estes pagaram de imediato, «a título de antecipação de retroativos», 8.600 euros a Domingos Piedade e 6.600 euros a Isabel Brazão. Não só a ordem foi ilegal, sustenta o MP, como os pedidos viriam a ser indeferidos pelas Finanças, em janeiro de 2013.
Finalmente, Isabel Brazão é acusada de ter apresentado, para comprovar despesas de deslocação ao serviço da CE, faturas de táxi rasuradas de forma a apresentarem valores mais elevados, tendo com isso recebido 430 euros, (para uma despesa real de 29 euros).
No total, no caso de Domingos Piedade está em causa a utilização de 37.900 euros – dos quais o ex-gestor ainda tem em dívida 14.600 euros (8.600 relativos ao adiantamento de vencimentos e 5.900 de despesas consideradas pessoais). O MP acusa-o de sete crimes de abuso de poder. Quanto a Isabel Brazão, acusada de quatro crimes de abuso de poder, um de falsificação de documento e outro de peculato, já devolveu tudo à CE (34 mil euros, relativos às despesas do cartão e ao vencimento).
O SOL contactou Manuel da Ribeira Barros, advogado dos antigos gestores do autódromo, que não quis fazer comentários. Salientou apenas que Domingos Piedade e Isabel Brazão «irão apresentar a sua versão em sede própria» – ou seja, no julgamento, que deverá ser marcado em breve pelo Tribunal de Cascais.