Após notícias que a envolviam na “Operação Marquês” e que levaram os investigadores a ponderar a sua constituição como arguida, Fernanda Câncio sentiu a necessidade de tomar posição sobre os factos que a ligam a José Sócrates. Fernanda Câncio, para além de namorada de José Sócrates, era (é?) amiga pessoal da mulher de Carlos Santos Silva, com quem falava regularmente.
A esposa de Carlos Santos Silva terá mesmo desabafado com Fernanda Câncio que José Sócrates era o maior problema da vida do marido – e indiciava já a prática que actos que, pelo menos eticamente, seriam censuráveis. Fernanda Câncio não se terá importado muito com tais preocupações da amiga: a jornalista terá proposto a aquisição de um imóvel em Lisboa a Sócrates e adquiriu um computador da Apple com dinheiro do ex-Primeiro-Ministro.
Dito isto, começamos por afirmar que a vida privada de Fernanda Cância não nos interessa minimamente: os factos a que a acusação chegou (aqueles que já conhecemos) relevam apenas para confirmar o nosso juízo deveras negativo sobre a personalidade e a filosofia de vida de José Sócrates. Uma megalomania que não conhece limites de qualquer espécie – os fins justificam sempre os meios, eis o lema de Sócrates.
Ademais, Fernanda Câncio confirma que muitas das opiniões que proferiu sobre a governação de José Sócrates, sobre o mérito do então Primeiro-Ministro e, mais globalmente, sobre o PS não eram imparciais, objectivas, tão pouco independentes – eram opiniões (e notícias) parciais, politica e pessoalmente motivadas, tendenciosas. Por isso, nós sugerimos, em 2010, que Fernanda Câncio se abstivesse de comentar ou cobrir eventos envolvendo José Sócrates: a jornalista ter-se-ia resguardado, defendido e salvaguardado a sua credibilidade e isenção e evitado todas as críticas.
Ainda para mais, Fernanda Câncio é inteligente e culta – poderia facilmente assegurar a secção de Cultura ou de Sociedade do jornal em que trabalha. Mas não: Fernanda Câncio fez questão de se manter na política e, em especial, no acompanhamento e na análise do Governo de José Sócrates, ou seja, do seu namorada. Uma atitude muito pouco inteligente e sensata, portanto.
O que significa que foi a própria Fernanda Câncio que se colocou no centro do furacão. Será que uma jornalista de enorme qualidade e talento – como é Câncio – acreditava mesmo que poderia defender acerrimamente, fanaticamente, o seu namorado como Primeiro-Ministro – e manter uma imagem pública de isenção? Poderia não misturar a vida pública e a vida privada, dormindo e vivendo com José Sócrates, adquirindo computadores com o dinheiro dele – e depois escrevendo com o seu companheiro de casa?
Poderia Fernanda Câncio manter a isenção – que se exige a todos os jornalistas – , escrevendo com distanciamento crítico sobre José Sócrates, para depois, no Verão, ir de férias com o próprio Sócrates para hotéis de luxo em Menorca ou em Fermentera? Ora, Fernanda Câncio é uma profissional séria e honesta – todavia, durante oito anos (pelo menos) não foi isenta, nem parcial. E esta constatação é irrefutável.
Que Fernanda Câncio não poderá viver com o anátema permanente de ter namorado com José Sócrates – é uma verdade indiscutível. Que Fernanda Câncio tolerou e beneficiou de actos de Sócrates moralmente indiscutíveis, embora não tenha ela própria cometido actos com relevância criminal- parece provável. Que Fernanda Câncio sabe que praticou actos no passado dos quais está arrependida e que não dignificaram a sua profissão – parece certo. Enfim, Fernanda Cância é uma jornalista de qualidade – que passou por uma fase atribulada, deslumbrada com um certo estilo de vida e a proximidade ao centro do poder político em Portugal.
Nós lemos o texto de Fernanda Câncio com muita atenção, ao detalhe, publicado na última “Visão”. Novidades? Nenhuma. Surpresas? Nem uma. Apenas uma revelação: Fernanda Cância revelou todo o seu lado humano. O ser humano, na sua essência, é egoísta: em situações limite, prefere salvar-se, mesmo que deixe para trás outrem. Mesmo pessoa próxima. Ora, quando apertada confrontada com os factos, Fernanda Câncio preferiu salvar-se, colocando José Sócrates numa situação ainda mais complicada.
No fundo, a jornalista para obter a sua absolvição pública, condenou José Sócrates no tribunal da opinião pública. É que toda a argumentação de Fernanda Câncio parte de um pressuposto: os actos imputados a Sócrates são verdadeiros, pese embora fossem por ela desconhecidos…
A partir de agora, os mais fiéis socráticos (com excepção de Paulo Campos) vão desertar subtil e vagarosamente, deixando o ex-Primeiro-Ministro cada vez mais sozinho. E fica-se com a sensação de que Fernanda Câncio tem muito mais para dizer – daí ter imposto um texto escrito e não uma entrevista com contraditório…
Isto dito, reiteramos: a dignidade de Fernanda Câncio (e o seu talento) não poderá ser beliscada para o futuro. Fernanda Câncio já virou a página – saibamos apreciar o trabalho da Fernanda Câncio, agora apenas jornalista e perdoar à Fernanda Câncio, namorada de José Sócrates que também era jornalista.