Fui, como provavelmente a maioria da minha geração, educada no seio de uma família católica. Fui batizada ainda criança e, ainda que sem qualquer fundamentalismo, cresci de acordo com os preceitos da religião católica. Pelo menos até à altura em que me preparava para a primeira comunhão. Foi neste momento que consegui convencer os meus pais – para profundo desgosto das minhas avós – a deixarem-me sair da catequese para ter mais aulas de ballet.

Na altura foi uma decisão movida pelo prazer que tinha em dançar, e não por alguma zanga existencial que sentisse em relação à religião. Essa foi chegando com os anos. Foi-se instalando com a vida. Numa fase inicial, convicta de que, perante um momento de crise, perante uma situação- -limite, o meu sentimento se alteraria. Acreditava que, como aconteceu com tantas outras pessoas, no confronto direto com a dor, própria ou alheia, recorreria à religião.

Mas esses momentos chegaram e serviram apenas para me afastar ainda mais da religião e, sobretudo, da Igreja enquanto instituição. Choca-me a ideia de sacrifício, não me consigo identificar com uma certa ausência de questionamento.

Curiosamente, gosto do silêncio solene das igrejas. E já visitei Fátima e assumo a solenidade que por lá se sente, e inclusive no Vaticano, onde cheguei a ver o Papa João Paulo II – por quem nutria um carinho cego justificado pelo facto de ser igual ao meu avô paterno, o avô careca -, senti-me assoberbada de uma forma que não consigo explicar. Mais, tenho de confessar apreço por este Papa Francisco, que me parece um homem do seu tempo.

Ainda assim, nada disto me faz sentir mais próxima de fazer as pazes com a religião. Católica ou qualquer outra. E até confesso que reconheço uma maior paz naqueles que fizeram estas pazes. Não as fiz, mas pelo menos, hoje em dia, já vivo este sentimento com uma menor angústia. Os fenómenos da fé são, definitivamente, caminhos desconhecidos. Caminhos que não se explicam. Mesmo para os que a sentem.