2.Um dos desafios mais estimulantes dos próximos anos (décadas!) será harmonizar as salas de cinema – como espaços públicos e de excelência para visualização de obras cinematográficas – com as novas exigências dos consumidores e os novos paradigmas da economia digital e cibernética. Para além das questões meramente tecnológicas e económicas, depreendemos ainda uma dificuldade político-filosófica para o futuro do cinema: o crescente individualismo e reforço do espaço privado em detrimento do espaço público na vida de cada um de nós. Os portugueses – e não só: os americanos, os britânicos, os alemães… – preferem cada vez mais o conforto do lar do que as salas de cinema.
3.O Festival coincidiu com a estreia de um filme que despertou em nós um certo cepticismo inicial, talvez até devido a um certo snobismo cinéfilo que se tornou moda nos últimos tempos. Snobismo que é a consequência natural de uma desvalorização acentuada que os estúdios de Hollywood tem feito do género comédia: as salas de cinema têm sido invadidas por comédias de adolescentes que oscilam entre o muito ridículo e o ridículo. Todavia, o novo filme dos estúdios da Universal Pictures/Comcam revelou-se uma muito agradável surpresa: bem pensado, hilariantemente realista – e realisticamente hilariante. O filme até tinha tudo para correr mal – trata-se de um remake , motivado pelo objectivo de repetir o enorme êxito financeiro que foi o primeiro filme, e tem como protagonistas Seth Rogen e Zac Efron.
4.Referimo-nos, pois, ao filme “Má Vizinhança 2”. O ponto de partida do filme, desta feita, é a situação caótica vivida por um casal, com uma filha, após a instalação de um clube universitário feminino na casa ao lado da sua. Um clube feminino que arroga para si o direito de organizar festas nas suas próprias instalações, sem a presença masculina (o que seria alegadamente proibido segundo a tradição académica nos Estados Unidos da América). O filme aborda, assim, o tema clássico da agenda do “politicamente correcto” sem cair na correcção política. É, sem dúvida, a abordagem mais original, divertida e descomplexada ao feminismo, ao direito das mulheres – e à excepcionalidade feminina.
5.Isto para além de mostrar – sem pretensões eruditas que se tornam bizarras, nem proclamações grandiloquentes – a vida complexa e as angústias de um casal trintão que luta contra o tempo, utilizando a arma letal do espírito e da disposição emocional: Seth Rogen e Rose Byrne protagonizam este casal que, não obstante a idade, se revelam maturamente irresponsáveis, sem deixarem de desempenhar com afinco as suas responsabilidades parentais. A cena final do filme é um exemplo claro desta asserção: a paternidade e a maternidade não significam o fim de vida para os pais.
6.O elenco foi escolhido com mestria: Seth Rogen parece destinado a casar com Byrne e parece um actor de mão cheia (esteve igualmente bem contracenando com James Franco em “Entrevista de Loucos”); Byrne adaptou-se plenamente ao espírito do filme; Zac Efron aproveita o ensejo do filme para reflectir, gozando, com o seu próprio percurso cinematográfico e de vida: Efron – o actor que se estreou no já longínquo “High School Musical” da Disney – é o alter ego do seu personagem. A sua carreira prometia muito – mas a instabilidade emocional e a incapacidade de se distanciar do “Troy Bolton” da escola do Utah da Disney, resultaram numa carreira entre o sofrível e o razoável. E uma nota de destaque para Chloe Grace-Moretz, que acrescenta irreverência, juventude e talento. A sequela é bastante melhor que o primeiro filme. O que, por ser tão raro, já é assinalável.
7.Duas notas finais: “ Má Vizinhança” é um lucrativo franchise da Universal, tendo as receitas do primeiro final triplicado o valor do orçamento para a sua produção e realização. Espera-se que esta sequela faça ainda melhor, contando com a sua boa performance nas bilheteiras, no merchandise e na distribuição em DVD e Blue-Ray. Segundo a revista Forbes, “Má Vizinhança 2” poderá tornar-se o melhor filme do ano, em termos de rentabilidade (relação custo/receitas).
Em segundo lugar, como seria inevitável, o filme (cujos actores e equipa técnica e criativa são próximos do Partido Democrata) não deixa de lançar remoques a Hillary Clinton: é particularmente sugestiva a cena em que as amigas da personagem de Chloe Grace-Moretz se caracterizam como as três Hillarys (a Hillary, mulher de Bill Clinton; a Hillary, Secretária de Estado; a Hillary, candidata). Ou seja: nem mesmo num filme de comédia como “Má Vizinhança” se perde uma oportunidade para salientar as incongruências e fragilidades discursivas de Hillary Clinton. O que mostra que, mesmo entre a elite de Hollywood, Bernie Sanders colhe muitas e variadas simpatias. Será que as primárias democratas ainda acabam num filme, entre o cómico e o trágico, sobre a “Má Vizinhança de Hillary Clinton 2 (após há oito anos ter perdido com Obama)”? Porventura, a Universal – se não mesmo os cidadãos americanos – já estão a pensar no assunto…