A Inspeção Geral dos Assuntos Sociais de França concluiu que a Bial e a empresa de ensaios clínicos Biotrial têm responsabilidades partilhadas no incidente adverso durante o ensaio clínico de Rennes, que custou a vida a um dos participantes. As conclusões são reveladas hoje no "Le Monde". Os inspetores não apresentam conclusões sobre o que matou Guillaume Molinet, de 49 anos, mas apontam falhas nos procedimentos.
O diário adianta que a inspeção atribui duas falhas à farmacêutica portuguesa: por um lado, os inspetores atribuem-lhe um atraso no reporte de informação à autoridade sanitária: o doente que veio a falecer foi hospitalizado no dia 10 de Janeiro mas a autoridade só foi informada no dia 14 de janeiro.
Por outro lado, a IGAS francesa considera que a Bial não foi suficientemente cautelosa na decisão de aumentar gradualmente a dose da molécula de 20 mg para 50 mg. “A Bial não considerou necessário, tendo em conta o nível de risco que antecipava, prever precauções particulares para limitar a exposição simultânea de vários voluntários ao produto. Esta sua apreciação pode suscitar discussão”, cita o “Le Monde”.
Segundo o diário, a IGAS considera, em contrapartida, que a empresa que estava a realizar o ensaio falhou no acompanhamento, em tempo útil, do estado de saúde dos voluntários – o que levou a que o medicamento continuasse a ser administrado apesar de já haver sinais de alarme.
Já depois de Guillaume Molinet ser hospitalizado, a sexta dose do produto foi administrada aos restantes voluntários. E estes participantes no ensaio não foram informados de que tinha havido uma complicação na saúde inesperada no decurso do ensaio clínico, pelo que não deram consentimento para continuar a fazer parte do estudo tendo havido um problema.
Empresas contestam
Citada na imprensa francesa, a Biotrial refuta as conclusões e diz que a IGAS não teve em conta o contraditório. Já a Bial, em comunicado, repudia também a leitura vertida na imprensa. “Lamentavelmente, este é mais um relatório que não permite determinar qualquer conclusão quanto à causa concreta do acidente, nem da morte de um dos voluntários que participou no ensaio clínico”, refere a farmacêutica.
A BIAL salienta que não teve ainda acesso à totalidade dos dados médicos dos voluntários, nomeadamente aos dados da autópsia do voluntário que faleceu, elementos essenciais para a prossecução de uma investigação completa em torno do sucedido.
A empresa sublinha ainda que o relatório não questiona a aprovação do protocolo de execução do ensaio clínico.
E as falhas?
Quanto às doses, a BIAL reitera que a decisão de escalar as quantidades ao longo do ensaio foi tomada de forma adequada. E explica que o perfil de segurança e tolerabilidade do BIA-10 foi considerado favorável até aos 20mg e não houve qualquer sinal de alerta nos parâmetros de segurança dos dados recolhidos nos grupos das fases precedentes de ensaio que pudessem fazer antecipar o sucedido. Além disso, a análise da toma de doses única até 100mg e múltiplas da exposição ao fármaco não revelou um comportamento inesperado do mesmo.
Relativamente à notificação junto das autoridades, a Bial não responde à acusação mas salienta que foi informada pela Bioatrial de um incidente grave a 11 de Janeiro, tendo de imediato mandado suspender a medicação de todos os participantes no estudo.
Em suma, a farmacêutica considera que os aspetos de natureza formal no relatório não explicam o que se passou em Rennes nem poderiam ter alterado o que se passou. “O apuramento de forma rigorosa e exaustiva do que se passou no ensaio clínico com o composto experimental BIA 10-2474 continua a constituir uma prioridade para BIAL”, diz a empresa.
Recorde-se que em causa estava uma molécula inovadora que interage com o sistema nervoso central e que a BIAL considera ter potencial no tratamento de doenças como Parkinson ou dor crónica. O ensaio clínico envolvia 1898 pessoas e 90 tomaram o medicamento em diferentes doses.