Projeto de novo estatuto da GNR reforça peso militar

A proposta de estatutos da GNR atualmente em discussão está a ser encarada como um retrocesso para a instituição. São várias as referências às Forças Armadas e poucos os sinais de que se trata de uma força policial com intervenção junto da população civil – puxando, assim, a GNR para mais perto dos ramos militares…

Desde logo, a hierarquia: para chegar a general na GNR, passa a ser imprescindível que se tenha «sangue azul», como aponta um dirigente sindical. A proposta de estatutos prevê que as promoções para o corpo de oficiais generais se fazem «por escolha de entre os oficiais com formação de base de nível superior em ciências militares».

‘Discriminação’

Num estudo que a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda Nacional Republicana (ASPIG) preparou especialmente para apresentar à ministra Constança Urbano de Sousa, esse ponto é abordado, destacando-se o facto de «apenas aos oficiais que ingressaram na GNR através da Academia Militar» ficar consagrada a possibilidade de chegar ao topo da hierarquia.

Na prática, o comando desta força de segurança fica restrito aos elementos com enquadramento militar de raiz, num contraste com os princípios em vigor. «As normas propostas, ao contrário de prosseguirem uma via democrática e justa para a solução do problema existente – que era o que seria de esperar –, constituem uma limitação discriminatória expressa e um retrocesso» face aos atuais estatutos, sublinha a ASPIG.

Nas regras para a progressão na carreira, a associação sindical fala mesmo numa «discriminação desproporcionada» entre os militares que integraram a GNR formando-se na Academia Militar – os tais de «sangue azul», que seriam beneficiados com o regime proposto nos estatutos em discussão – e os militares que integraram os Cursos  de Formação de Oficiais (CFO), teoricamente renegados para um patamar inferior dentro da instituição.

Militares com horário de 40 horas semanais

Mas há outros exemplos que ilustram o predomínio do militar sobre o civil no documento basilar

que o Ministério da Administração Interna tem em mãos. Por exemplo, no que diz respeito ao horário de trabalho semanal.

A proposta consagra as 40 horas como o período de referência e a ASPIG, no estudo que preparou, destaca a importância de que a «regulação do horário de referência semanal aplicável aos elementos dos organismos que exercem funções policiais seja semelhante, se não totalmente, pelo menos no essencial – o que manifestamente não se verifica na proposta –, pois que são conhecidos casos que constituem grosseiras e inaceitáveis discriminações entre elementos de diferentes organismos». A ASPIG faz notar, neste ponto, a «aversão, por parte de alguns militares, em que a lei estabeleça um horário de referência semanal, invocando a natureza militar da GNR».

Em declarações ao SOL, um dirigente sindical considera que os novos estatutos (cuja aprovação se arrasta desde o anterior Executivo) representam uma «forma dissimulada de os generais colonizadores transformarem a GNR no quarto braço das Forças Armadas» e que, a materializarem-se, algumas das propostas do documento contribuem para que a GNR seja «uma das instituições mais fechadas em Portugal».

Alguns elementos desta força de segurança apontam outros «pormenores» que ilustram uma tentativa de viragem na GNR. Nomeadamente, a cor escolhida para as novas viaturas – o cinza –, a fazer lembrar viaturas militares, ou o facto de as medalhas militares terem primazia sobre as medalhas das forças de segurança. Questões que estão a preocupar elementos com responsabilidades no seio da GNR, numa altura em que prossegue a discussão dos estatutos com vista à sua aprovação.

Estatutos tardam em ser aprovados

No final de agosto do ano passado, foram aprovados em Conselho de Ministros os estatutos da PSP. Na mesma altura, esperava-se que a discussão em torno dos estatutos da GNR já permitisse a sua aprovação, mas isso não aconteceu.

A então ministra da Administração Interna, Anabela Rodrigues, admitiu «dificuldades» na preparação do documento e deixou já nessa altura claro que só o Governo seguinte – que acabaria por mudar de cor política – teria condições para concluir o processo. Na base da demora estavam, de resto, constrangimentos inerentes à condição militar dos elementos da GNR.

As dificuldades manifestadas pela ministra passavam em grande medida pela conformação do documento com oEstatuto dos Militares das Forças Armadas, um documento aprovado sensivelmente três meses antes.

Na altura, tanto Anabela Rodrigues como Marques Guedes, ministro da Presidência, foram questionados sobre eventuais «pressões» de que o Governo estaria a ser alvo na preparação dos estatutos da GNR. «Pressões é nas canalizações», respondeu o ministro, recusando recorrer a uma «linguagem não própria» a nível institucional.

Em abril, Constança Urbano de Sousa disse no Parlamento que a aprovação dos estatutos estava a ser «analisada e estudada» e que já tinha sido enviada um anteprojeto do documento para os ministérios envolvidos e para o Comando-geral da GNR. O SOL tentou obter esclarecimentos oficiais desta força de segurança, mas tal não foi possível.