O político que confessou que chegava a fumar dois maços por dia, morreu de cancro do pulmão e fígado no passado dia 19, em Roma, aos 86 anos. Foi a enterrar no cemitério de Teramo, sua terra natal – situada na região de Abruzos, entre as montanhas dos Apeninos, a leste de Roma, e a costa do Adriático –, em cuja praça principal um milhar de pessoas se reuniram para se despedirem sob uma longa salva de palmas.
A Itália teve nele não só uma figura ímpar na política e um grande provocador, mas um ativista das principais batalhas pelos direitos civis nas últimas décadas. Fundador e líder histórico do Partido Radical (PR) de Itália, atualmente conhecido como Radicais Italianos, Pannella galvanizou uma sociedade onde a Igreja Católica mantém uma enorme influência e conseguiu que fosse legalizado o divórcio e o aborto, recorrendo a greves de fome.
Toda a vida lutou por causas e teve o talento de sensibilizar o seu país para elas. Na década de 1970, contribuiu decisivamente para que os jovens votassem a partir dos 18 anos e, mais tarde, bateu-se pela descriminalização do uso de drogas leves e pelo encerramento dos manicómios.
Nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial, o Partido da os Democracia Cristã (PDC) durante muito tempo (de 1946 a 1992) dominou a cena governativa, contra a oposição clássica de um forte Partido Comunista Italiano (PCI) e uma panóplia de outros partidos disputando as migalhas. Mas, durante todo esse tempo, uma constante no meio da turbulência político-governativa foi Pannella. Um líder com uma queda para o espetáculo, que soube sempre colocar-se em evidência e que adquiriu uma influência desproporcionada tendo em conta o número de lugares de que o Partido Radical ia dispondo no Parlamento italiano. O melhor resultado do PR, fundado em 1955 e cujo emblema era um punho segurando uma rosa, foi alcançado em 1979, ao conquistar 18 dos 630 lugares na Câmara dos Deputados, com apenas 3,4% do voto popular.
Este grande encenador manteve o seu lugar na Câmara baixa entre 1976 e 1994 e no Parlamento Europeu entre 1979 e 2009. Foi um dos principais defensores dos direitos das mulheres, dos presos, dos gays e lésbicas e dos objetores de consciência. Participou nas campanhas contra a pena de morte e a proliferação de armas, desde as nucleares às utilizadas pelos caçadores.
Em 1970, empreendeu uma greve de fome que se prolongou por 78 dias, sobrevivendo com uma ração diária limitada a vitaminas e três chávenas de café, tendo perdido quase 30 quilos. Foi a maneira que encontrou para forçar o Parlamento a debater o divórcio. Quatro anos mais tarde, recorreu à mesma tática para forçar o Parlamento a discutir legislação relativa ao aborto e a oferecer tempo de antena nas televisões aos temas fraturantes.
«Não dizemos que as pessoas são obrigadas a concordar connosco, simplesmente pedimos que nos deem a oportunidade de defender a nossa perspetiva», afirmou então.
Com o passar dos anos, tornou-se comum a imprensa referir-se a Pannella como um «excêntrico» e ao seu partido como uma aventura «quixotesca». Mas a falta de votos não era um sinal de fraqueza, pois a formação veio a adquirir um estatuto de culto, o de um grupo que tantas vezes denunciou a restante classe política, nos seus jogos de poder e esquemas de corrupção.
Em 1995, vestido à Pai Natal mas trocando o vermelho pelo amarelo canário, distribuiu gratuitamente haxixe na Piazza Navona, na capital, em protesto contra as leis sobre o consumo de drogas. Foi condenado a três meses de prisão, mas a sentença veio depois a ser reduzida a uma multa.
Em 1987, cativou a atenção do mundo com outra das suas habilidades publicitárias, ao convencer Ilona Staller, a estrela da indústria de filmes pornográficos conhecida como Cicciolina, a apresentar-se como candidata a um lugar no Parlamento pelo Partido Radical. Cicciolina conquistou o lugar e correu mundo como símbolo da irreverência do PR e de Pannella.
Nascido Giacinto Pannella, a 2 de maio de 1930, formou-se em Direito e trabalhou por um breve período como jornalista. Pannella, que assumia abertamente a sua bissexualidade, nunca casou, mas mantinha uma relação há muitos anos com Mirella Parachini, uma ginecologista.
O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, no elogio fúnebre que lhe dedicou chamou-lhe um «leão da liberdade». E, certa vez, referindo-se aos seus métodos de resistência e luta não-violenta, o New York Times notou que Pannella tinha ganho fama como ‘o Gandhi de Abruzos’.