Isto dos homens não falarem ou falarem pouco é das coisas que mais irrita as mulheres.
– Então diz coisas.
– Não tenho nada para dizer.
– De certeza que existe qualquer coisa.
– Nada.
– O que tu estás é a esconder-me alguma coisa.
E por aí fora. Estes diálogos nunca acabam bem. As mulheres não entendem a incapacidade masculina de contar pormenorizadamente uma história todos os dias. Ou pelo menos três vezes por semana. Ou definirem-se.
– Mas o que é tu achas exatamente sobre isto?
– Estou a pensar.
– Não pensaste o suficiente?
– Ainda não.
– Mas porque não me dizes pelo menos em que é que estás a pensar?
– Não sei bem. É complexo.
Os homens são muito complexos, apesar de ganharem a vida a dizer o contrário e a atirar-nos para cima o slogan cansativo “as mulheres são muito complicadas”.
Mas estando as mulheres tão habituadas a que os homens, por sistema, não falem ou falem pouco, quando aparece um que fala muito, é fácil seduzi-las. Toda a gente que o que é inabitual é sedutor. Foi o que aconteceu com a Vanessa quando Marcelo foi eleito Presidente da República: primeiro ficou embasbacada, depois apaixonou-se e chegou ao cúmulo de pensar que com algum jeitinho conseguia convencer o Marcelo a casar e a fazer dela a estimável primeira dama que tanta falta faz ao país. Mas esta semana a coisa parece que mudou. E a Vanessa, que partilha com o seu apaixonado fazer telefonemas a altas horas da noite, ligou-me às três da manhã de quinta-feira. Eu já estava mais para lá do que para cá, a adormecer em cima das páginas da “Viagem a Itália” de Goethe.
– Ouviste o Marcelo a dizer que depois das autárquicas pode deitar abaixo o governo?
– Sim.
– E isso não é inacreditável?
– É chato, sim.
– Mas é normal um Presidente da República dizer este tipo de coisas?
– Já sabes como é o Marcelo.
– Mas já viste que ele entretanto telefonou ao Observador para dizer que não tinha dito exatamente o que disse?
– Sim, mas isso é o Marcelo.
A Vanessa estava estarrecida com a declaração e contra-declaração do Presidente da República.
– O Marcelo fala demais. Não sei se afinal gosto de homens que falem demais.
Da minha leitura ensonada da “Viagem a Itália” só me sobrou dizer o óbvio.
– O Marcelo sempre foi assim. Como é que não sabias?
– Quando o vi a anunciar a candidatura lá em Celorico todo hirto achei que tinha mudado. Parecia tão tímido ali, não parecia?