Carta por pontos não limpa cadastro

A carta por pontos vai entrar em vigor hoje e, consoante o comportamento ao volante, os condutores podem perder alguns dos 12 pontos atribuídos automaticamente, dependendo do tipo de infração. Mas as sanções anteriores – coima, inibição de conduzir, entre outras – mantêm-se, já que o novo sistema não limpa o cadastro dos condutores, não…

Isto significa que o condutor continua a poder ser alvo de uma pena acessória de suspensão de conduzir, por exemplo. A garantia foi dada pelo Governo: “Qualquer contraordenação pendente ficará sujeita ao regime anterior e o condutor não perderá pontos em relação a ela”.

De acordo com os últimos dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), mais de 3.600 condutores estavam, em março, em situação de pré-cassação. Deste total, 2.200 apresentavam duas contraordenações muito graves e quase 1.400 tinham quatro contraordenações (entre graves e muito graves).

Segundo os mesmos dados, a maioria dos casos registados no ano passado foram infrações graves. Foram emitidos mais de 272 mil autos de contraordenação por excesso de velocidade, 26.752 corresponderam a infrações leves, 225.165 a infrações graves e 20.661 a infrações muito graves.

A somar a este número há ainda que contar com as contraordenações por condução sob o efeito do álcool – que, no ano passado, ultrapassaram as 23 mil – e por  falar ao telemóvel. Ao todo, foram registados 1,1 milhões de multas, o que representa um aumento de quase 14% em relação ao ano anterior.

Como vai funcionar

Como o novo sistema, todos os condutores começam no mesmo patamar. Depois, o comportamento na estrada determinará a contagem.

As infrações mais graves ao Código da Estrada e a outras regras de circulação implicam perdas. Já os condutores que respeitem as normas podem ganhar pontos, dentro de certos limites.

No entanto, as infrações cometidas antes desta data não influenciam o sistema de pontos – ou seja, serão punidas de acordo com as regras existentes até 31 de maio. “Não significa que, face a outros aspetos, como o montante da coima ou a proibição de conduzir, essas mesmas infrações deixem de ter influência: são consideradas para definir a sanção, que pode ser agravada no caso de reincidentes”, alerta a Associação de Defesa do Consumidor (DECO).

Pelo regime em vigor até ao final do mês, a carta de condução pode ser retirada aos condutores que no espaço de cinco anos cometam três infrações muito graves ou cinco infrações, entre graves e muito graves. Mas com o novo sistema, o cenário muda. A cassação do título só será determinada após a subtração dos 12 pontos que foram atribuídos.

Só as contraordenações graves e muito graves e os chamados crimes rodoviários é que penalizarão este sistema de pontos, e estes só são retirados quando a decisão que condena o condutor pelo crime se torna definitiva.

Formação obrigatória

No entanto, quem ficar com cinco pontos ou menos tem de frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária. Até três pontos é obrigado a fazer novo exame de Código. E aos zero pontos perde a carta de condução.

Além disso, os encargos com a frequência de formação ou com o novo exame de Código são suportados pelo condutor. E se este faltar injustificadamente ou reprovar perde a carta de condução. Esta medida é decidida pelo presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, mas pode ser impugnada em tribunal. O condutor só pode recuperar a carta dois anos depois e, para tal, tem de voltar a fazer os exames de Código e de condução.

No entanto, se durante três anos não cometer contraordenações graves ou muito graves ou um crime rodoviário, ganha três pontos – até um limite de 15 pontos.

Mas as alterações não ficam por aqui. Se ao revalidar o título de condução (por exemplo, aos 50, 60 ou 70 anos) frequentar de forma voluntária uma ação de formação, recebe um ponto, até um máximo de 16. Para isso, não pode ter cometido nenhum crime rodoviário desde a última revalidação.

Sem consensos

Apesar deste sistema de pontos já ser usado em países como Espanha, Itália e Brasil está longe de gerar consenso em Portugal. O presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, Manuel João Ramos, já veio afirmar que a implementação da carta por pontos não resolve o problema da sinistralidade rodoviária em Portugal, considerando que é uma medida “manca e avulsa”.

Para o responsável, a introdução da carta por pontos só teria impacto positivo em Portugal se fosse acompanhada por outras medidas. “Não existe uma estratégia de prevenção rodoviária, nomeadamente no que diz respeito à formação de condutores e formação de formadores”, acrescentando ainda que, “neste momento, há listas de espera de oito a nove meses para os cursos de reabilitação e com a entrada em vigor da carta por pontos vai aumentar o número de infratores que necessitam de fazer cursos”.

Manuel João Ramos diz ainda que há o risco de as infrações não existirem só porque não existe fiscalização – e, nesse cenário, os condutores vão continuar a ganhar pontos.

Mais satisfeito com estas alterações está o presidente do Automóvel Clube Portugal (ACP). Carlos Barbosa considera que esta modalidade “já deveria ter sido implementada há mais tempo”.

O responsável aponta ainda a vantagem dos condutores poderem aceder ao seu cadastro, o que até aqui não era possível.

Essa é uma das novas funcionalidades da carta por pontos. O condutor pode ir consultando o seu registo através do portal de contraordenações rodoviárias (ansr.pt). Para isso, basta fazer o registo, preencher um formulário online, anexando cópia do Cartão de Cidadão e da carta de condução. Mais tarde, receberá em casa uma carta com a senha de acesso ao site. Nessa altura, poderá consultar o cadastro.

As vantagens identificadas não ficam por aqui. Carlos Barbosa lembra que, ao contrário do que acontecia até aqui, em que a decisão de inibição de conduzir era arbitrária porque dependia de decisão do juiz, agora são retirados os pontos, independentemente da decisão dos juízes.

Escolas de condução afastadas

Ao contrário do que tinha sido avançado inicialmente, as escolas de condução vão estar afastadas do processo de formação dos infratores. O presidente da Associação Portuguesa de Escolas de Condução (APEC) diz que, na proposta apresentada à associação, “a recuperação de pontos era sempre possível”. Por outro lado, Alcino Cruz acredita que as escolas de condução não irão fazer parte do processo de formação dos infratores, já que a lei “não prevê isso”.

A explicação é simples: as entidades credenciadas pelo Governo para que os infratores recuperem as cartas necessitam de “psicólogos, psiquiatras e outras pessoas dessa área sem serem as escolas de condução”, que não têm profissionais especializados para esta situação.