O alerta surge num estudo publicado em 2014, a que o SOL teve acesso, e em que os autores vinculados ao Instituto Ricardo Jorge consideravam haver a “necessidade urgente de uma intervenção na área pelas entidades competentes para proteger a saúde das populações que trabalham e vivem perto da mina”. O trabalho suscita dúvidas sobre a saúde pública na região envolvente daquela que é uma das minas históricas do país – onde se explora volfrâmio há mais de um século. Saiu numa publicação estrangeira, a que só tem acesso facilitado quem está no meio académico. Não foi divulgado na íntegra em português e o SOL sabe que nunca foi remetido às autoridades pela equipa.
Investigador recusa falar
O SOL procurou ao longo de meses falar com os autores portugueses do estudo, que colaboraram com investigadores de Espanha, Áustria e Itália. O trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, Comissão Europeia e pela Associação Italiana de Investigação do Cancro. Teve de ser um autor estrangeiro a remeter o estudo ao SOL. João Paulo Teixeira – que encabeçou o ‘Projeto de biomonitorização de populações residentes em áreas de exploração mineira: o caso da envolvente da mina da Panasqueira’ – nunca se mostrou disponível para falar sobre os resultados. Em 2014, informou mesmo que a investigação ainda estava em curso, sendo necessário aguardar. No último mês, o instituto também adiou respostas concretas às questões do SOL mas confirmou, entretanto, que não houve desenvolvimentos.
Fonte oficial remeteu para uma nota publicada no boletim informativo da instituição em 2013, onde são referidos parte dos resultados publicados na revista Science of Total Environment. Apesar de não ter o detalhe da publicação estrangeira, este sumário já indicava que “a exposição [das populações que vivem nas proximidades e trabalham na mina a vários metais e metalóides com origem nas atividades mineiras] induz efeitos adversos nas populações, confirmando a necessidade de atuação imediata das autoridades competentes e implementação de estratégias que visem a proteção das populações e de todo o ecossistema”.
Questionado sobre se informaram as autoridades sobre estes resultados concretos, o gabinete de comunicação do instituto público indicou apenas que estas minas, e riscos associados, assim como a sua zona envolvente são “há vários anos alvo de atenção pelas entidades públicas”.
DGS pediu informações, Agência do Ambiente desconhecia
A Direção-Geral da Saúde, autoridade de saúde nacional, não respondeu diretamente se tinha conhecimento deste estudo, mas indicou ter solicitado informação ao departamento de saúde pública da Administração Regional de Saúde da região Centro e à autoridade local de Saúde. Estas entidades informaram que estudos como aquele sobre o qual o SOL se debruça têm permitido concluir que pode “haver desvios de parâmetros biológicos nas populações expostas que não são doença mas que podem ser um estado precursor”.
As mesmas entidades entendem que as medidas de requalificação que têm vindo a ser encetadas na região têm sido consideradas “suficientes para assegurar a contenção da contaminação ambiental e assim impedir a exposição da população”.
A DGS informa que a zona das minas está sujeita a um processo de monitorização ambiental, tendo sido construída uma estação de tratamento de água da mina (ETAM) onde os metais pesados são tratados e a qualidade dos efluentes controlada. São também efetuadas análises de controlo em vários pontos, à saída da ETAM e no rio Zêzere, a jusante das minas, cujos resultados são comunicados à Agência Portuguesa do Ambiente, diz a DGS.
Por outro lado, desde 2009 que está em curso um plano de requalificação para controlo do depósito de resíduos no Cabeço do Pião – uma das escombreiras da mina. A DGS informa que foram feitas obras de estabilização dos taludes e drenagem de água, que minimizam a escorrência de águas que transportam os resíduos. No âmbito da vigilância da qualidade da água para consumo, a DGS informa ainda que os serviços de saúde pública locais constatam que, entre 2014 e 2016, “não há incumprimento de teores de metais pesados”.
Inquirido sobre esta matéria, o ministério do Ambiente direcionou o pedido de informação para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que respondeu que desconhece o referido projeto. E informou que depois de estudos prévios para a recuperação ambiental das escombreiras da mina está a ser feita a monitorização da massa de água a jusante das minas, estando previstos estudos de bioacumulação de metais em peixes. A APA indica que se trata de uma medida corretiva, salientando, contudo, que é alheia ao teor do relatório mencionado. Não refere se irão fazer algo na sequência do mesmo.
Contradições: estudo robusto ou exploratório?
A ETAM inclui duas estações de tratamentos de água, uma mais antiga instalada em 1957 e outra inaugurada em 2011, ambas anteriores ao estudo e nada foi feito para perceber se houve alguma alteração nos indicadores biológicos apurados.
Anselmo Gonçalves, investigador de Coimbra que se tem debruçado sobre este tema (ver pág. ao lado) denuncia, aliás, que as estações estão por vezes avariadas e em períodos de maior precipitação não têm capacidade para tratar todas as águas. Têm capacidade para tratar em conjunto 800 m3/hora, e em anos de mais chuva o volume chega a 2.000. Mas esse não é o único problema: mesmo havendo análises à água da torneira, o investigador alerta que os residentes usam água de poços e não só para rega, o que pode ser outra via de intoxicação, pela ingestão de vegetais. E as obras na escombreira não estão todas feitas, além de que há duas escombreiras.
As respostas remetidas ao SOL pelo Instituto Ricardo Jorge sugerem outras pontas soltas no dossiê. O instituto refere que o estudo em causa é exploratório e transversal, com uma população baixa, e que, por isso, os resultados não podem ser extrapolados para a população no geral da zona. Porém, no artigo, lê-se que estava em causa um estudo “mais robusto” na sequência de resultados preliminares.
Por outro lado, o instituto reconhece que os resultados sugerem que deviam ser feitos estudos epidemiológicos mais abrangentes (no número de participantes e incluindo outras vertentes além da toxicológica, como a componente clínica e de saúde pública). Não esclarece, contudo, por que não o fizeram ou não o propuseram. A DGS também não dá garantias: indica que poderão vir a ser considerados se os resultados da monitorização ambiental o recomendarem.
O investigador Anselmo Gonçalves, que no decorrer do doutoramento consultou outros estudos que alertam para o risco de saúde , considera que não está a ser prestada a devida atenção ao tema, sendo poucas as referências públicas.
O SOL contactou o médico de família que serve esta zona, que disse não ter conhecimento deste trabalho. Maria de Lurdes Cravo, da associação ambientalista Zero, que acompanha a intervenção em zonas mineiras – em particular na Urgeiriça -, indicou também não ter conhecimento da investigação ou consequências. “É um denominador comum em relação ao impacto da exploração mineira: até se podem fazer estudos epidemiológicos, mas os relatórios nunca são definitivos”, diz a ambientalista, que considera faltar fiscalização e mais responsabilização das empresas.
Os perigos para a saúde
Os investigadores relacionam a exposição a níveis elevados de metais pesados como chumbo ou manganês a alterações imunológicas significativas, como a diminuição ou aumento da atividade de grupos de linfócitos, células do sistema imunitário, alterações que têm sido ligadas a uma maior suscetibilidade a doenças inflamatórias ou cancro. Foram incluídas no estudo 41 pessoas que vivem num raio de 6 km da mina, 41 mineiros e 40 pessoas de aldeias mais distantes como Casegas e Unhais-o-Velho, estas como indivíduos controlo. Um outro estudo de 2014 alerta que as elevadas concentrações de metais pesados nos solos apontam para um elevado risco carcinogénico, quer por ingestão direta na respiração ou ingestão de vegetais. M.R.