É certo que boa parte deste boom do turismo se deve a fatores alheios a Portugal – como o receio de visitar países muçulmanos. Também a multiplicação de voos low cost está a dar um contributo para trazer mais turistas estrangeiros.
Até há quem julgue essa fase boa demais. Porque se multiplicam os hotéis e sobretudo os hostels em zonas históricas de Lisboa e do Porto, correndo o risco de as descaracterizar. Barcelona já tomou medidas restritivas quanto à abertura de alojamentos turísticos na cidade, para evitar que certas áreas urbanas fiquem vazias de residentes, substituídos por turistas que ali permanecem apenas alguns dias. É um problema que deve ser encarado numa perspetiva de médio e longo prazo. Uma cidade descaracterizada prejudica os seus habitantes e poderá afastar potenciais visitantes estrangeiros.
Mas as notícias positivas em matéria de contas externas do país ficam por aqui. A balança de comércio e serviços teve um défice de 109 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano, contra um excedente de 287 milhões no período homólogo de 2015. É certo que em Março houve um saldo positivo, mas depois de quatro meses com défice.
O crédito bancário ao consumo subiu em Março 21 por cento face a Março do ano passado; e 17 por cento em relação ao mês anterior, Fevereiro. Em Março o crédito automóvel aumentou nada menos de 35 por cento, comparando com Março de 2015. Parte do regresso do desequilíbrio externo tem a ver com estes números.
A política governamental de estimular o crescimento económico pelo aumento do consumo privado não apenas não está a promover esse crescimento (pelo contrário) como desequilibra as nossas contas externas. Portugal tem uma das maiores dívidas externas do mundo, em proporção do PIB. Curiosamente, fala-se muito no défice orçamental, mas quase nada no desequilíbrio das contas externas. Aconteceu também no governo de J. Sócrates, quando o défice externo atingiu 10 por cento do PIB. Parecia um assunto tabu.
Pelos vistos, o governo de A. Costa segue o mesmo caminho. Os seus apoiantes nem sequer saudaram a recuperação de Março – que pode ser apenas pontual. Ora as contas externas englobam não apenas uma parcela do défice do Estado mas também muito do ainda mais elevado défice do setor privado. Quase dois terços da dívida privada portuguesa (famílias e sobretudo empresas, as mais endividadas da Europa) estão nas mãos de estrangeiros.
Ora esses estrangeiros, que até agora têm comprado dívida pública portuguesa a juros simpáticos (com a ajuda do BCE), não ignoram o preocupante endividamento das empresas em Portugal e o nível atingido pelo crédito malparado nos bancos. Coisas que, ouvindo alguns políticos e também certos representantes empresariais, parece que poderiam resolver-se com golpes de mágica. Infelizmente, as vacas não voam.