Um exemplo da confusão ideológica do PS: na sua última experiência governativa, o PS era liderado por José Sócrates – o então Primeiro-Ministro – , o qual se revia e se identificava com as premissas político-ideológicas do blairismo e da “terceira via” socialista. Esse executivo – qualificado como de “esquerda moderna”, avançada, centrista – integrava como seu número dois, António Costa. António Costa, esse, que agora é Primeiro-Ministro de um Governo dirigido por comunistas e bloquistas – o mesmo António Costa, apoiante de José Sócrates e da “esquerda moderna”, é agora o rosto da ala esquerdista (do extremo-PS) do partido, juntando-se à esquerda anti-europeia, anti-americana, anti-capitalista, anti-globalização, anti-touradas, anti- caracóis e “bejecas” numa esplanada ao pôr do sol, em época veraneante; anti- modernização, anti-iniciativa privada, anti-saúde privada, anti-educação privada, anti-cultura popular, anti-cultura americana, anti-patriotismo, anti-Forças Armadas, …
Ou seja: António Costa, com a sua decisão de se juntar à extrema-esquerda, está paulatina e progressivamente a destruir o património histórico do PS. A subverter o seu ADN, a sua identidade genética, criada com esforço e dedicação por Mário Soares desde os alvores da III República. Após esta experiência – que todos sabemos que será fugaz e desastrosa no fim do dia -, o PS vai defrontar-se com uma crise profunda. Uma crise existencial e de respeitabilidade junto do seu eleitorado. E terá pela frente o risco de cisão interna entre uma ala esquerdista, que se confunde com o Bloco de Esquerda – e outra ala centrista, moderada, na linha do SPD alemão, que disputa o espaço político do centro com o PSD e, agora, com o CDS/PP.
O que é estranho – e insólito – é o facto de esta deriva esquerdista, em contradição com a identidade genética do PS, de António Costa não merecer o mínimo incómodo ou contestação no interior do partido. Os seus militantes acomodaram-se. Porquê? pela mesma razão de sempre, que é, afinal, a razão do declínio da relevância e credibilidade dos partidos políticos: a obsessão pelo poder. E a volúpia que os cargos de poder despertam nos militantes dos partidos, sobretudo de partidos (como o PS) que dominam a máquina do Estado e têm, entre a sua base eleitoral de apoio, uma grande percentagem de funcionários públicos e dirigentes das estruturas administrativas intermédias.
Uma excepção meritória e muito inteligente tem sido Francisco Assis. Um político talentoso, um pensador rigoroso e temerário, um político, a um tempo, experiente e de futuro. Actualmente, Francisco Assis personifica o melhor do PS – é o presente da História que honra o PS e que contribuiu para o desenvolvimento (económico, social e educacional) de Portugal.
Muitos têm criticado Francisco Assis pelo timing da entrevista (antes do Congresso) e pelo seu conteúdo virulento contra a geringonça. Puro erro de análise: Francisco Assis está a jogar muito bem, posicionando-se hoje com mestria para suceder a António Costa num futuro cada vez mais próximo. Porquê? Devido a três razões lineares:
Francisco Assis, ao conceder três entrevistas na última semana, condicionou a discussão no Congresso do PS deste fim de semana. De facto, o Congresso será dominado, não por aquilo que lá suceder, mas por aquilo que lá poderia ter sucedido: a participação crítica e a oposição contundente de Francisco Assis. Este não será o Congresso de António Costa: será o Congresso de Francisco Assis. Será um fantasma permanente que já assustou Costa: o Congresso foi reduzido à duração mínima possível e, à falta de melhor, lá se convidou o Pacheco Pereira, como manobra de diversão para entreter e tentar esquecer Francisco Assis;
Ao criticar a viragem à esquerda não democrática do PS, Francisco Assis puxa pela vocação atlantista e europeísta do PS. Foi o PS que derrotou o PCP – e, por essa vitória, até o autor destas linhas está profundamente grato. Que sentido faz ser o mesmo PS a reabilitar o PCP, fazendo Portugal recuar quarenta anos na história? Os militantes do PS percebem e concordam com Assis – quando os militantes perceberem que a geringonça já abana demais e está prestes a cair, chamarão por Francisco Assis. Este será, pois, inevitavelmente, o próximo líder do PS – e muito graças à sua estratégia inteligente;
Ao apelar à natureza centrista do PS – moderado, apologista do Estado Social mas plenamente aberto à iniciativa privada, à economia de mercado e à globalização – , Francisco Assis está a ocupar o eleitorado do centro (aquele que faz ganhar eleições), aproveitando o desvio esquerdizante de António Costa – e a permanência (teimosa!) de Passos Coelho na direita. Conjunturalmente, apenas Francisco Assis tem um discurso verdadeiramente de centro. Mais: Assis apela à distensão, à convergência entre os partidos moderados sobre os aspectos cruciais para o desenvolvimento de Portugal. Quem é o outro actor político que adopta o mesmo discurso? O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Curioso, hein? Até aqui, Francisco Assis está a ser muito arguto…
Enfim, Francisco Assis é um homem de coragem – e o que resta de bom senso e lucidez no Partido Socialista. Oxalá tenha sucesso. A bem de Portugal.