Cristóvão, que se fez acompanhar no tribunal pela sua mãe, esclareceu os juízes que irá prestar declarações, mas apenas quando considerar «oportuno».
Segundo a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), os 18 arguidos terão simulado, com recurso a mandados de busca falsos, cobranças oficiais a empresários que sabiam terem bens em casa. Estão por isso também em causa crimes como sequestro, posse e detenção de arma proibida, abuso de poder, violação de domicílio por funcionário e falsificação de documento. Dias antes do início do julgamento, um dos arguidos que estava em prisão domiciliária, conhecido por ‘CopKiller’, fugiu, não sendo ainda conhecido o seu paradeiro.
Celso ‘Kota’ só falou sem os outros arguidos presentes
O primeiro arguido a falar foi Celso ‘Kota’, um dos elementos mais relevantes nesta teia segundo o DCIAP. O arguido começou por explicar que só falaria à-vontade se os restantes suspeitos saíssem da sala, frisando ter receio da influência do antigo vice-presidente do Sporting. Uma influência que justificou com a ligação deste à Ordem dos Templários.
O pedido foi aceite pela juíza Marisa Arnedo, presidente do coletivo.
Questionado sobre o seu envolvimento, Celso ‘Kota’ esclareceu que, em 2013, tinha sido contactado por um empresário, Paulo Santos, que lhe pediu ajuda para recuperar uma dívida de 350 mil euros. O devedor era um outro empresário de Cascais, Cristiano Martins. Como Celso estava com a liberdade restringida por conta de um processo de tráfico de droga, sugeriu o nome do ex-inspetor da PJ, Pereira Cristóvão.
Depois de tudo ter sido acordado e de Cristóvão ter aceitado o serviço, o empresário Paulo Santos levou para casa de Celso toda a documentação que comprovava a existência da dívida. Foi depois disso que o arguido terá conhecido melhor ‘Mustafá’, ou seja, Nuno Mendes, líder da Juve Leo, uma vez que Cristóvão o levou lá a casa para consultar esses documentos.
Perante os juízes, Celso assegurou ter-se desligado de tudo a partir desse momento, tendo apenas sabido do assalto à casa do empresário Cristiano Martins alguns dias depois.
Contou ainda que a sua relação com Pereira Cristóvão começou quando este era dirigente do Sporting, altura em que foi chamado para fazer segurança em jogos mais complexos. Pereira Cristóvão, acrescentou, ajudou-o por diversas vezes, assim como outras pessoas mediáticas, como Kátia Aveiro, irmã de Cristiano Ronaldo.
Líder da Juve Leo revela combinação dos assaltos
Da parte da tarde, foi a vez de ouvir outro dos principais arguidos: Nuno Mendes, o líder da Juve Leo, respondeu a todas as questões do tribunal e revelou como foram as combinações com o ex-inspetor da PJ.
«Quando saímos de casa do Celso, o Paulo Pereira Cristóvão foi mostrar-me o prédio, em Cascais, [onde morava Cristiano] e pediu-me que arranjasse pessoas para fazer aquela cobrança», disse, adiantando que foi por isso que acabou por envolver um familiar seu neste esquema. ‘Mustafá’ perguntou a Paulo Alexandre, seu irmão e também arguido, se estaria disposto a arranjar um grupo para fazer o serviço. Depois de alguma insistência, conta, conseguiu convencê-lo.
Nuno Mendes afirmou ainda estar realmente convencido de que se tratava de uma cobrança real e que ainda ficou mais descansado quando o seu irmão lhe contou que as pessoas que tinha arranjado eram dois elementos da PSP: «Para mim, serem da Polícia descansou-me, não ia haver violência nem outras coisas…»
O cofre que devia ter 1 milhão
Durante todo o período em que duraram as combinações, todos os contactos com o ex-inspetor da Judiciária eram sempre pessoalmente e o aviso era dado por Nuno Lobito (que chegou a ser arguido, mas não foi acusado).
«O Paulo Pereira Cristóvão não falava disto por telemóvel, mas ligava-me quando era para falar do Sporting», esclareceu ‘Mustafá’.
Mas o que ia ganhar afinal ‘Mustafá’ e os outros elementos com tal cobrança? Segundo Nuno Mendes, tinham indicações de de Pereira Cristóvão que iam cobrar uma dívida de um milhão de euros, dinheiro que o empresário Cristiano Martins teria num cofre de sua casa e o combinado era que o dinheiro, no final, fosse dividido entre o grupo (50%) e Pereira Cristóvão (50%). Ou seja, meio milhão para cada parte e nada para o credor. Isto apesar de Celso ‘Kota’ ter dito antes que em causa estava uma dívida de apenas 350 mil euros.
Na noite do primeiro crime, perto das 21h30, o grupo aproximou-se do prédio onde morava Cristiano, em Cascais, dividido em dois carros. Num deles ia ‘Mustafá’ com o seu irmão Paulo Alexandre e Pereira Cristóvão. No outro iam os dois agentes da PSP contratados para o serviço e um terceiro elemento, o serralheiro Mário Lopes. O assalto não demorou mais de 30 minutos.
Tudo correu como planeado menos uma coisa, explicou o arguido: quando finalmente pararam os dois carros em que seguiam, no Guincho, os três que tinham entrado na residência contaram que no cofre de Cristiano apenas tinham encontrado 80 mil euros e não um milhão.
«Um dos problemas foi dizer às pessoas que afinal não era para dividir 500 mil euros, mas sim 40 mil», revelou o líder da Juve Leo, que terá manifestado esta preocupação nessa altura ao ex-vice-presidente do Sporting.
Pereira Cristóvão, porém, terá descansado de imediato o seu operacional: «Pediu-me para descansar as pessoas porque ele ia arranjar mais cobranças difíceis para eles e disse-me mesmo que estava já a preparar uma cobrança para daí a duas ou três semanas».
E arranjou, mas dessa vez não havia sequer dinheiro na habitação roubada e ‘Mustafá diz ter saído de cena nessa altura.
O outro arguido ouvido na quarta-feira foi Mário Lopes, conhecido por Vítor Hugo. Trata-se de um serralheiro que terá feito a ponte entre o irmão de ‘Mustafá’ e os dois agentes da PSP envolvidos no esquema: Elói Fachada e Luís Conceição.