“Esta mãe foi uma incubadora viva. Doou o corpo ao seu filho”. Foi desta forma que Gonçalo Cordeiro Ferreira, responsável pela comissão de ética do Centro Hospitalar Lisboa Central, descreveu o milagre que viveram na instituição nos últimos meses e homenageou a mulher de 37 anos que já não pode conhecer o filho. O ambiente continua a ser de muita emoção entre os médicos e enfermeiros da MAC e do Hospital de S. José que ao longo das últimas 15 semanas acompanharam a gravidez de uma mulher a quem foi declarada a morte cerebral no dia 20 de Fevereiro. O bebé nasceu ontem à tarde de cesariana. Esta manhã, numa conferência de imprensa no Hospital de S. José, em Lisboa, a equipa explicou que a mulher de 37 anos foi desligada das máquinas logo após o parto e o corpo foi entregue à família.
O recém-nascido, com 32 semanas e 2,350 kg, foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais da Maternidade Alfredo da Costa. Ainda não respira sozinho, pelo que está numa incubadora. Os médicos indicaram que se estável e não há indícios de más formações. “Estamos numa viagem. Há todo um percurso a percorrer ainda”, disse a neonatologista da MAC Teresa Tomé.
Como qualquer prematuro, a criança deverá permanecer internada até às 35 semanas. Outro critério para alta hospitalar de um recém-nascido é ter atingido 1,800 kg, sendo que o peso do bebé já não é neste momento uma preocupação para a equipa. Terá de conseguir respirar sem ventilação e alimentar-se com autonomia para ir para casa com a família.
Ministério Público assegurou tutela mas família manifestou vontade de ficar com a criança
A equipa do Centro Hospitalar Lisboa Central explicou que o Ministério Público foi chamado a intervir desde o primeiro momento, ao abrigo da lei de proteção de crianças e jovens em risco. Quando foi estabelecida a morte cerebral, foi de imediato declarado o óbito e foi decidido manter a mulher em suporte de vida avançado como aconteceria numa situação de doação de órgãos. Foi nessa primeira avaliação que os médicos perceberam que o feto, na altura nas 17 semanas de gestação, continuava com bons sinais vitais e aparentemente não sofrera um impacto da falência cerebral que acabou por ser fatal para a mãe.
Gonçalo Cordeiro Ferreira, responsável pela comissão de ética do centro hospitalar, explica que nestas situações, e uma vez que já tinha passado o tempo legal para uma interrupção da gravidez e a mãe manifestou sempre vontade de ter o filho, foi decidido prosseguir com a gestação.
A situação foi comunicada ao Ministério Público, que “aceitou tutelar a vida fetal” enquanto não houvesse uma tomada de posição por parte da família. Os responsáveis garantiram contudo que nunca houve qualquer objeção por parte dos familiares, a quem a criança será entregue após a alta. Do ponto de vista jurídico, contudo, foram estes os trâmites seguidos. “Uma criança não é propriedade dos pais”, lembrou Cordeiro Ferreira.
“A nossa preocupação era que a vida acontecesse e a vida aconteceu”, sublinhou Ana Escoval, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Central.