Quando se deu o colapso do BES, os depositantes e clientes desta instituição bancária – a mais poderosa e influente então em Portugal – optaram por transferir as suas poupanças e outros activos financeiros para a Caixa Geral de Depósitos. Razão: a Caixa, pela sua qualidade de banco público, oferecia acrescidas garantias de segurança e solidez.
Os portugueses pensaram, com lógica e lucidez pragmática, que se a banca privada comete os desvarios que cometera , então a banca pública só pode ser melhor. Aí, onde na banca privada dominava o egoísmo, a ânsia do lucro, o capitalismo sem freio, nem limitações – aqui, na banca pública só poderia dominar os critérios de boa gestão, de imparcialidade, de sensatez e escrutínio apertado por parte das entidades públicas com competência de supervisão.
Enquanto o BES foi durante um período de tempo (excessivamente) prolongado “too big to fail”, não havia qualquer dúvida que a Caixa Geral de Depósitos era “ too secured to fail” ou, se preferirmos, “too public to fail”.
Infelizmente, para Portugal e para os portugueses, afinal, nem no banco público se pode confiar – as práticas censuráveis e de legalidade discutível praticadas nos bancos privados foram (são?) também seguidas no banco público. Se ficamos estarrecidos com os actos de gestão incompetente (para não usar o qualificativo “danosa” para não imputar factos criminais não provados) de muitas instituições financeiras privadas – ficamos chocados com a promiscuidade total entre a política e a gestão financeira de entidades públicas sob forma privada, e actuando em mercado concorrencial. Já nem mesmo a Caixa pode assegurar a estabilidade – já nem mesmo a regularidade – do sistema financeiro português.
Serão as causas da encruzilhada em que vive a Caixa Geral de Depósitos diversas das causas que conduziram ao colapso do BES e de outras instituições financeiras que até gozavam de uma reputação de mercado forte, empoladas por campanhas de marketing (formal e informal) agressivo? A resposta é negativa. A causa primacial do colapso quer do BES, quer da situação delicada de BCP e da Caixa Geral de Depósitos (e fiquemo-nos por aqui) é a mesma – o capitalismo fraco, medíocre, pueril e dependente do Estado que vigora em Portugal. A promiscuidade entre política e negócios tanto foi fomentada por BES, BCP ou Caixa Geral de Depósitos.
Os grupos privados (também no domínio financeiro) preferiram alinhar sempre com os objectivos políticos do poder instituído – quer dizer, do partido político que exercia conjunturalmente o poder político e, mais especificamente, com os interesses pessoais do homem que era Primeiro-Ministro nesse momento – do que funcionar com as regras que regulam a sua actividade (com destaque para as regras prudenciais e de supervisão) e com as (malditas em terras lusitanas) leis do mercado.
É que se vigorasse, em Portugal, um efectivo capitalismo concorrencial, em que os agentes de mercado fossem fortes e motivados por razões de pura eficiência económica (sem desprezar a responsabilidade social, que, empiricamente, está demonstrado é mais forte em sistemas de economia de mercado concorrencial do que através de empresas dominados ou tutelados, de direito ou de facto, pelo Estado) , jamais os créditos políticos a pedido teriam sido concedidos. E esta é apenas uma pequena – grande – diferença entre o que obteríamos, caso o capitalismo português fosse verdadeiramente capitalista – e não um capitalismo a brincar ou fingidor, que nem sequer finge tão completamente que pareça, no mínimo, que é amador. Nem isso: é um capitalismo a brincar.
Note-se que esta nossa observação nem sequer pode ser enquadrada na divisão clássica entre esquerda e direita. A própria Mariana Mortágua – insuspeita apoiante da geringonça e estrela-mor das comissões de inquérito pré-geringonça – já afirmou que é contra a comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, pois esta poderia aparentar (sic!) que a banca pública é igual à banca privada. Ou seja, o grande receio de Mortágua é que os portugueses descubram que, afinal, a Caixa Geral padece dos vícios de politização e gestão sem critério (eufemisticamente falando) de alguma banca privada.
Enfim, a Caixa Geral de Depósitos é apenas (infelizmente) mais uma tragédia portuguesa. Uma tragédia à portuguesa. Ainda vai correr muita tinta…