Brexit: violência chegou no fim de campanha extremada

O momento mais negro da campanha foi o único a unificar um país cada vez mais dividido em torno de Bruxelas. Antes da morte de Jo Cox, até Jean-Claude Juncker tinha quebrado as regras e entrado no jogo do exagero.

«Onde vemos ódio, onde vemos divisão, onde vemos intolerância, temos de ser capazes de os afastar da política, da vida pública e das nossas comunidades». Foi esta a mensagem principal de David Cameron na homenagem realizada ontem a Jo Cox, a deputada trabalhista assassinada na quinta-feira por um alegado nacionalista.
Num momento em que se antecipa que o dramático episódio possa ter influência na votação de quinta-feira, o primeiro-ministro e o líder da oposição juntaram-se para apelar à unidade. 

«Se queremos verdadeiramente honrar Jo temos de reconhecer os seus valores – o serviço comunitário, a tolerância – são esses os valores que temos de redobrar na nossa vida pública nos meses e nos anos que aí vêm», defendeu Cameron. «Em sua honra, não vamos permitir que as pessoas que espalham ódio e veneno consigam dividir a nossa sociedade, vamos fortalecer a nossa democracia, fortalecer a nossa liberdade de expressão», acrescentou Jeremy Corbyn num evento em que quebrou a regra que tinha definido para a campanha do Brexit – não partilhar palco com Cameron mesmo que os dois apelem ao mesmo voto no referendo.

E a demonstração de união não se ficou pelas palavras, uma vez que todos os principais partidos britânicos – incluindo os nacionalistas do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP na sigla original) – anunciaram que não vão apresentar candidato na eleição extraordinária que determinará o substituto de Cox.

Uma estrela em ascensão

Jo Cox, de 41 anos, deu demasiado nas vistas nos escassos 13 meses que serviu como deputada. Fê-lo ao defender arduamente que o país devia receber refugiados e até intervir militarmente no conflito sírio – «é um teste à nossa geração, é nossa responsabilidade», disse na Câmara dos Comuns. E fê-lo também nas últimas semanas, com declarações como a que lembrou que «os migrantes comunitários que chegaram desde 2001 deram mais 20 mil milhões de libras à economia britânica do que tiraram com os subsídios que receberam». 

Mas a «estrela em ascensão», como lhe chamou David Cameron, não agradava a todos. Tommy Mair, um homem de 52 anos residente em Batley e Spen – círculo eleitoral onde Cox fora eleita –, terá gritado «Britain first», ou «Reino Unido primeiro», depois de esfaquear e atingir a tiro de arma artesanal a deputada que acabava de sair de um encontro com outros eleitores. 

Sem sondagens para prever o ‘efeito Marinha Grande’ – aquele que em 1986 terá permitido a Mário Soares um resultado melhor do que o antecipado nas sondagens após ser vítima de agressão naquela localidade –, foi precisamente a principal figura do movimento nacionalista Britain First a antecipar que os defensores da permanência do país na União Europeia iriam «aproveitar politicamente» a morte de Cox – numa declaração que voltou a deixar Nick Griffin debaixo de fogo.

‘Brexit’ em vantagem

Os números de ontem da média de sondagens que o Financial Times tem feito diariamente sobre o tema continuavam a dar 5% de vantagem à saída do Reino Unido da UE, mas o jornal lembrava que «a cada vez mais quente campanha» está suspensa. 

E a suspensão chegou no momento mais negativo da campanha pela permanência, que via o seu apoio diminuir diariamente. Era então essa a resposta do eleitorado a uma campanha marcada pelos exageros de todos os intervenientes – com o Governo de Cameron à cabeça.

Apesar de dividido – 23 ministros defendem a permanência, sete a saída – o Executivo foi muito criticado pelos relatórios do Tesouro que alertavam para as consequências dramáticas do Brexit. E se a previsão de perda de 500 mil postos de trabalho, de uma desvalorização mínima da libra esterlina na ordem dos 12% e de um PIB a crescer menos 6% do que o previsto já tinha levado até europeístas a criticar o «exagero», a ‘chantagem’ feita pelo ministro das Finanças no início da semana só veio aumentar a tensão.

George Osborne referiu a inevitabilidade de um orçamento retificativo para responder ao «choque económico» que será provocado por um voto pela saída. E um orçamento austero, com aumento de impostos e redução na despesa de saúde – exemplo que não terá escolhido ao acaso, já que o efeito dos imigrantes na insustentabilidade do SNS é um dos argumentos mais repetidos pelos defensores do ‘Brexit’.

A imigração é mesmo o tema dominante do debate, sendo apontada pelos eurocéticos como responsável não só pelo estrangulamento do estado social como por efeitos secundários, como o roubo de postos de trabalho a britânicos ou a facilidade de entrada no país de potenciais terroristas.

Discurso que deu tão bons resultados que, fora do país foram-se acumulando as intervenções sobre uma questão interna dos britânicos, apesar dos pedidos de Cameron para que não acontecesse, principalmente em relação aos «burocratas de Bruxelas», outras expressão repetida com bons resultados pelos eurocéticos. 

Uma lista que tem à cabeça o líder da ComissãoEuropeia, Jean-Claude Juncker. Aceitando que o voto pela saída por gerar «um período de grande incerteza», o luxemburguês também disse que «não é um perigo de morte» para a UE e deixou um forte aviso àqueles que dizem querer negociar uma saída pacífica: «os desertores não serão recebidos de braços abertos».

Certo é que três anos e meio depois de ter prometido este referendo, Cameron está fortemente ameaçado pela maior aposta política da sua carreira. São muitas as vozes no seu Partido Conservador que garantem que não conseguirá manter o poder – até em caso de vitória magra.