O trabalho e a vida

Há quem ganhe muito dinheiro trabalhando longas horas. Mas o trabalho não pode ser tudo na vida 

Nas Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, a tia de Tom mandou-o caiar um muro. Tom não lhe apetecia nada trabalhar. Começou então a caiar o muro com grandes manifestações de satisfação. Os amigos viram aquilo e pediram-lhe para caiarem eles também. Tom em breve deixou de caiar, sendo quase toda a tarefa feita pelos amigos. Conclusão do autor deste livro: «trabalho consiste em tudo que se é obrigado a fazer e prazer consiste naquilo que não se é obrigado a fazer».

De facto, para a maioria das pessoas o trabalho é uma tarefa penosa, necessária para ganhar a vida. Pior é não ter trabalho: os desempregados perdem dinheiro e perdem autoestima por não se sentiram úteis à sociedade. Mas para uma minoria o trabalho é uma fonte não apenas de salários altos como de realização pessoal. Essa minoria trabalha mais tempo do que a generalidade dos trabalhadores de salários inferiores. Ryan Avent, um americano de 37 anos, editor de Economia do semanário britânico The Economist, publicou numa outra revista deste grupo um artigo intitulado ‘Porque trabalhamos tanto?’.

A pergunta relaciona-se com a previsão de Keynes, feita em 1930, segundo a qual daí a um século o progresso económico e tecnológico iria permitir semanas de trabalho de dez ou quinze horas. De facto, o horário semanal médio baixou de 60 horas no início do séc. XX para 40 nos anos 50. E continuou a diminuir até por volta de 1970. 
 
Mas depois as coisas mudaram, desmentindo a previsão de Keynes. Segundo Ryan Avent, hoje cerca de um terço dos licenciados americanos trabalha mais de 50 horas semanais. Alguns profissionais trabalham o dobro disso e há advogados de elite a trabalharem mais de 70 horas por semana, todas as semanas do ano. Acresce que no pouco tempo que passam em casa estes profissionais estão em contacto com o seu trabalho, através de telemóveis, e-mails, computadores, etc. E na economia global onde se movimentam não há paragens: funciona 24 horas por dia. 

Os workaholics ganham em geral muito dinheiro. Mas há, nos EUA e noutros países, como Portugal, quem tenha salários tão baixos que precise de um segundo emprego, prolongando por muitas horas a sua jornada de trabalho. Ryan Avent não refere estes últimos. Concentra-se na minoria, de que ele faz parte, dos que ganham bem e trabalham muitíssimo. Compara com a geração dos pais, que auferia salários razoáveis e não fazia do trabalho o centro da sua vida – era um meio para pagar uma existência relativamente sossegada. Vida era, então, o que acontecia fora do trabalho.

 Agora já não é assim, diz Avent. Um bom emprego, hoje, consome todo o tempo e esforço do profissional que o alcança. Para o manter enfrenta uma permanente luta competitiva. Isto implica uma entrega total, sempre preparado para mudar de residência, de amigos, de comunidade…

Apesar disso, Avent gosta do seu trabalho, intelectualmente estimulante. E até encara com apreensão o futuro, quando já não trabalhar. É verdade que as novas tecnologias tornam o trabalho menos pesado e mais agradável; até se pode trabalhar em casa… Outros como ele e até mais bem pagos têm prazer nas suas tarefas profissionais, apesar de elas lhes ocuparem quase todo o tempo. A mim, porém, parece-me que esta minoria privilegiada tem uma vida algo desumana, por muito dinheiro que ganhe. Ou talvez também por isso.