1.Reversões. Surpreendeu-me ler que Pacheco Pereira (PP) defendeu no recente congresso do PS que as ‘reversões’ são o que de mais positivo foi feito pelo governo das esquerdas. E chocou-me, também. Lembro-me bem dos governos de Cavaco Silva de quem PP era um agressivo defensor contra o conservadorismo das esquerdas. Tomei-o desde então por um reformista radical, por um defensor de ruturas, por alguém que compreendia que “no pain no gain”. Erro meu, porventura.
2.Vacas que voam. De que reversões falamos? A semana das 35 horas para o funcionalismo (que o primeiro-ministro diz que 100% empenho não terá impacto na despesa)? Ou a reintrodução de feriados? Ou o abandono da proposta de avaliação dos professores do secundário? Ou as cedências aos lóbis sindicais? Ou, talvez, as reversões sejam a redução da quota das exportações ou o abrandamento pronunciado do crescimento da economia? Ou será que a verdadeira reversão é a suspensão da lei da gravidade permitindo, assim, que as vacas voem?
3.Full Fact. A Full Fact é uma organização sem fins lucrativos britânica dedicada a promover o rigor e o recurso aos factos no debate público. Com o aproximar do referendo, a sua visibilidade aumentou imenso pois comprometeram-se a verificar todas as afirmações produzidas pelos campos em confronto. O debate mais popular respeita ao custo de ser membro da UE: para os ‘Brexiters’, serão 350 milhões de libras por semana (£18 mil milhões ano)’; os ‘Brimainers’ contra-argumentam que a Grã-Bretanha apenas pouparia £5,29 mil milhões por ano se saísse da UE. Quem tem razão? A verba de £350 milhões semanais ignora várias coisa: à cabeça, o abatimento negociado em 1984 pela senhora Thatcher, e que não pode ser suspenso sem consentimento britânico; depois, ignora que o Reino Unido também recebe dinheiro da UE, destinado sobretudo à agricultura e a áreas mais pobres de Gales ou da Cornualha; finalmente o setor privado também recebe fundos, por exemplo para a investigação científica. Tudo considerado, a contribuição britânica foi cerca de £8,4 mil milhões em 2014, ou 160 milhões por semana. Não exatamente os 5 mil milhões, mas muito longe dos 18 mil. Mas o que eu realmente gosto no Full Fact é que eles procuram ser rigorosos sem vender certezas. Numa interessante peça intitulada ‘10 coisas que precisa saber sobre modelos económicos’, explicam com clareza porque é que não existe um número ‘correto’ para descrever o impacto económico da saída e que com certeza os 160 milhões estão longe de refletir os verdadeiros custos líquidos. Como faz falta uma organização assim à democracia em Portugal: rigorosa, independente e sofisticada.