Eleições em Espanha: uma derrota clara da geringonça

A notícia mais animadora foi a derrota de Pablo Iglésias, do Podemos e dos grupúsculos que se uniram à sua sombra na coligação auto-intitulada “ Unidos Podemos”. 

O povo espanhol voltou a falar através do voto – e já está falado. Conclusão: este segundo acto eleitoral apenas se limitou a confirmar as tendências já detectadas na primeira eleição, realizada no final do ano transacto. Não obstante o impasse político vivido em Espanha nos últimos sete meses, os eleitores espanhóis mantiveram a sua decisão de não conceder uma maioria absoluta a um só partido. Nem cedeu ao discurso de dramatização protagonizado por Mariano Rajoy, que construiu uma narrativa dicotómica entre uma maioria clara do PP ou o caos; nem se deixou convencer – muito menos encantar – pela encenação de Pedro Sánchez que  se assumiu (em acto de desespero) como o protagonista do futuro político espanhol.

Contudo, a notícia mais animadora foi a derrota de Pablo Iglésias, do Podemos e dos grupúsculos que se uniram à sua sombra na coligação auto-intitulada “ Unidos Podemos”. O que desmente as sondagens (todas!) publicadas ao longo de semanas (e até as projecções eleitorais realizadas no próprio dia do acto eleitoral) que indicavam a ultrapassagem da coligação liderada por Iglésias ao PSOE de Pedro Sánchez. Convencido sobre a veracidade das tendências eleitorais reveladas pelas sondagens, o Bloco de Esquerda espanhol até começou a “flirtar” o Partido Socialista espanhol (PSOE), tecendo rasgados elogios a José Luís Zapatero.

 O raciocínio do Podemos era cristalino: uma vez que já conquistámos a esquerda profunda, há que alargar o nosso eleitorado alvo ao centro. Objectivo: aniquilar o PSOE, estilhaçando-o eleitoralmente, para com ele negociar um acordo de Governo, no curto prazo; absorvê-lo, conquistando o seu eleitorado e aproveitando as suas estruturas, os seus quadros e a implantação territorial, para bipolarizar definitivamente o quadro político-partidário espanhol, no médio-longo prazo. Puro engano ou erro de raciocínio: o Podemos ficou atrás (e bem atrás) do PSOE de Pedro Sanchez, que se afirmou novamente como a força hegemónica à esquerda. O que a somar ao desaire eleitoral dos Ciudadanos de Albert Rivera mostra que, afinal de contas, o sistema partidário espanhol não implodiu.

Posto isto, e conhecendo os resultados, cumpre reter cinco lições fundamentais das eleições espanholas:

1) Os eleitores são hoje mais pragmáticos do que nunca. Não se deixam enlevar por ilusões inconsequentes, mas sim por resultados concretos. Preferem eficácia na governação – do que contos de fadas ideológicas ou fanatismos políticos. Mariano Rajoy merece um juízo globalmente positivo da maioria dos eleitores, muito por culpa dos resultados económicos e sociais positivos que alcançou. Haverá melhor política social do que pôr a economia a crescer o dobro da economia europeia e reduzir o desemprego?

2) Mariano Rajoy terá mesmo de liderar o próximo executivo espanhol. Se há uma constatação evidente, comaprando os resultados de ontem com os resultados de Dezembro, é que o PP reforçou a sua votação, alcançando uns notáveis 137 mandatos e 33 por cento das intenções de voto. O que significa que o povo espanhol quer Mariano Rajoy à frente do Governo – e o PP na solução governativa;

3) Ligada à nossa conclusão anterior, uma outra conclusão inequívoca é a impossibilidade lógica e democrática de uma solução à portuguesa – uma espécie de “geringonça” à espanhola. Uma mixórdia de temáticas à esquerda, com PSOE, Unidos Podemos e outras forças nacionalistas e independentistas. Seria uma golpada democrática (ainda mais grave que a portuguesa) e um embaraço para a democracia espanhola. Para além de que Pedro Sánchez declarou oficialmente como seu inimigo número 1 o Podemos de Iglésias. Ficar à frente do Bloco de Esquerda espanhol foi o grande (e único) feito político de Pedro Sánchez desde que assumiu a liderança do PSOE;

4) O eleitorado espanhol quer um Governo europeísta, moderada, defensor da economia de mercado, embora com preocupações sociais. Não quer nem socialistas da velha guarda; muito menos quer marxistas, trotskistas ou anarquistas. E não quer colocar em causa a sua integração europeia. Aqui os eleitores poderão ter sido influenciados pelo medo das consequências do “brexit”, sobretudo sendo Espanha um estado federal com tensões territoriais fortes – o PSOE beneficiou com o resultado do referendo no Reino Unido, o que justifica o “sprint” final que lhe permitiu ultrapassar o Podemos;

5) Uma lição para Iglésias: não fica bem – e o eleitorado sempre desconfia – de mudanças bruscas, de operações de cosmética ideológicas , tentando ser aquilo que não se é. Pablo Iglésias tentou parecer moderado, associando-se a Zapatero. Duplo erro: Iglésias jamais passaria por moderado, sendo ele um radical indomável; Zapatero é, ainda hoje, o activo político mais tóxico do PSOE. Ao contrário dos portugueses, os espanhóis ainda não perdoaram o PSOE pela crise (social, económica e financeira) em que mergulhou o país. Falar de Zapatero como exemplo ou elogiá-lo não dá votos – pelo contrário, tira muitos votos. É um elogio boomerang.

E é, enfim, uma lição para o Bloco de Esquerda: os partidos da sua natureza quanto mais se aproximam do poder (ainda que apenas no discurso oficial), mais perdem. Quando se tentam aburguesar, são traídos pela burguesia intelectual que os suporta – e são rejeitados pelas camaradas populares e sindicais de quem dependem.