Discutiu-se muito nos últimos dias um eventual impacto do “Brexit” nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América. A tese maioritária aponta no sentido de a saída do Reino Unido da União Europeia fortalecer a candidatura de Donald Trump, o candidato não democrata (será correcto dizer-se o candidato dos republicanos? Ou tão só o candidato do Partido Republicano?).
Isto porque Donald Trump apoio, em sucessivas declarações públicas, à vitória da saída do Reino Unido da União Europeia, exortando os britânicos a votar neste sentido e aliando-se (mostrando até admiração) ao discurso de Boris Johnson. Para além do cabelo arrojado – e por um certo fascínio pela arte dos cabeleireiros – Donald Trump e Boris Johnson partilham a mesma ideia forte no seu discurso político: a luta contra o politicamente correcto que tem dominado a retórica política em matérias essenciais como a imigração, o controlo das fronteiras, a relação com o mundo islâmico, a política externa e mesmo sobre a organização económica; o desprezo pelas elites decisórias (políticas, económicas e financeiras – para além da crítica despudora à intelectualidade, pese embora depois recorram a intelectuais para dar consistência ideológica às suas propostas políticas…).
Logo, face à vitória do Brexit, Donald Trump sai reforçado, na medida em que mostra que as suas ideias estão do lado certo da história – que gozam do apoio popular mesmo para além das fronteiras norte-americanas, em países poderosos e influentes, aliados dos EUA. Esta conclusão foi, não obstante, moderada nos últimos dias, ressalvando-se que Donald Trump apenas capitalizará politicamente com a vitória do “Brexit” se, entretanto, a economia mundial colapsar, entrando em recessão, fortalecendo-se o dólar de tal forma que a dívida pública dos EUA atinja valores incomportáveis. Ou seja: o que ditará o resultado eleitoral em Novembro – também nos EUA! – será a economia. Afinal, é uma realidade dos nossos tempos, independentemente das coordenadas geográficas: aqui, como nos EUA, quem manda é a economia. Quem dita os ciclos políticos – é a economia. Não as ilusões ideológicas, não as propostas políticas mais ou menos arrojadas – é o bolso dos eleitores que dita o seu sentido de voto.
Quanto a nós, julgamos que o “Brexit” será irrelevante na decisão dos cidadãos norte-americanos na hora de escolher o próximo Presidente da sua nação. O eleitor médio norte-americano ignora, não dá qualquer relevância, à política britânica; muito menos à política europeia. Muitos nem sequer percebem (ou querem perceber) o que é a União Europeia, julgando que se trata de algo muito similar à NAFTA ou então de uma entidade reguladora supra-estadual, cujo fim máximo é aplicar sanções aos Estados por violação de regras quanto à comercialização de certos produtos (a tal lógica da banana avançada por Boris Johnson). A União Europeia é, nesta visão, um entrave à liberdade de comércio, à livre iniciativa privada e uma intromissão de poderes públicos na liberdade e na vida privada dos cidadãos europeus. Donde, o colapso da União Europeia – ou, pelo menos, o seu enfraquecimento – significaria a revitalização do livre comércio, o fim dos entraves à iniciativa privada e a vitória do liberalismo na sua pureza. Seria mais uma vitória dos cidadãos, do povo, contra o poder tirânico de uma entidade pública mastodôntica.
Não por acaso um dos defensores mais aguerridos do “Brexit” em terras de Tio Sam foi Arthur Laffer – o economista, actualmente Professor em Stanford, cujo contributo mais significativo foi o de deslocar a análise do fenómeno económico para a perspectiva da oferta, e não da procura (a “economia da oferta”). E que todos conhecemos pois, ainda recentemente entre nós, a propósito do aumento brutal de impostos de Vítor Gaspar, se falou na “curva de Laffer”: a representação de um modelo económico que nos evidencia que, a partir de um certo nível de tributação, os Estados apenas perdem receitas fiscais, apesar de aumentarem as taxas aplicáveis dos impostos. Isto porque o aumento dos impostos conduz à contracção da actividade económica e à fuga de capitais para outros países.
Ora, o Professor Laffer – que muito admiramos, até pelo trabalho político notável que desenvolveu enquanto assessor económico do Presidente Ronald Reagan – veio defender, em termos agressivos, o “Brexit”, apresentando-o mesmo como uma nova esperança para a liberdade de comércio. Com todo o devido respeito, Arthur Laffer desconhece o que é a União Europeia – e anda um pouco desligado da actual conjuntura política. Se há alguma certeza possível neste mundo caótico e rodeado de incertezas, essa é definitivamente que o enfraquecimento da União Europeia significa o enfraquecimento do liberalismo económico e político, provocando um retraimento no comércio internacional. E qual será o principal país prejudicado? Precisamente, os Estados Unidos da América.
É que, diversamente de todos os restantes países, para os Estados Unidos, o comércio não é apenas uma realidade económica – é uma realidade diplomática. Um meio de difundir o ideal norte-americano e de afirmar os valores da liberdade e da prosperidade. Ora, o ressurgimento dos nacionalismos, da xenofobia, de soluções políticas musculadas, na fronteira do autoritarismo, em pleno coração da Europa política – significa um retrocesso civilizacional e uma derrota do ideal político norte-americano. Nós, europeus; nós, cidadãos do mundo – devemos muito aos Estados Unidos na construção de uma ordem política baseada na igualdade e na liberdade ou, se preferirmos, numa “igualdade livre” – ou “liberdade igual”. Haver Professores que tanto nos ensinaram, que já desempenharam funções políticas de relevo junto de um dos melhores políticos da história da Humanidade – é altamente preocupante. Certamente que Arthur Laffer não quererá ficar na história ao lado de Marine Le Pen, de Vladimir Putin ou de Nigel Farage.
Não tenhamos dúvidas: se o “Brexit” tiver alguma influência no veredicto do eleitorado dos Estados Unidos da América em Novembro, essa traduzir-se-á no reforço da candidatura de Hillary Clinton. Por três razões essenciais:
1) O “Brexit” provocará consequências económicas e financeiras muito difíceis, sendo os Estados Unidos uma das principais vítimas. Assim, os eleitores tenderão a castigar o candidato que defendeu uma solução de política externa (apoiou a secessão de um Estado de uma organização que garantia a paz e a estabilidade no continente europeu, gerando a volatilidade dos mercados quando estes já caminhavam no sentido de uma “estabilidade mais estável”, isto é, mais perene). Se Donald Trump, como candidato, já foi imprudente nas suas opções de política externa, com consequências negativas na vida concreta dos norte-americanos – como será uma vez eleito Presidente? Se já foi imaturo e irresponsável como candidato, poderá ser bem pior enquanto Presidente – eis o que pensará o eleitor médio norte-americano;
2) Os cidadãos norte-americanos são genuinamente defensores da liberdade, da tolerância, do pluralismo e da democracia. E não discutem os méritos da economia de mercado e do individualismo – no dia em que se tornar ainda mais claro que Donald Trump tem o mesmo discurso que Marine Le Pen, Putin, dos Partidos Comunistas ortodoxos, como o Partido Comunista português, os americanos tenderão a presentear Donald com uma derrota estrondosa;
3) Perante um quadro político, nacional e internacional, tão complexo e instável, os eleitores americanos irão valorizar a experiência e a serenidade de Hillary Clinton (independentemente dos seus vários escândalos e situações menos bem esclarecidas) face à inexperiência, à oscilação táctica e estratégica, à genialidade mediática e de domínio do showbiz de Donald Trump. No fim do dia, Hillary será beneficiada pelo facto de conhecer Washington como poucos, de dominar as regras do jogo político como ninguém e de ter uma vasta rede de contactos e influências por todo o mundo. Isto para além de Hilarry Clinton ter sido Primeira-Dama de um Presidente que afirmou o poder dos Estados Unidos da América como principal potência militar, económica, financeira e cultural em termos definitivos. Pela primeira vez na história da Humanidade, uma Nação baseada na liberdade, na igualdade, na defesa da dignidade da pessoa humana e da democracia, com um poder político limitado por uma Lei Fundamental designada por Constituição (que integra a cultura do seu povo) ocupou o lugar cimeiro (liderante) na ordem internacional. Quanto mais forte for a Nação Americana, mais forte é a Humanidade – porque os EUA são um refreio importante para qualquer tentação autoritária na Europa e mesmo em outras latitudes. Na hora decisiva, os americanos não se esquecerão que Hillary Clinton tem mais confiança no excepcionalismo americano do que Donald Trump.