Continua a haver assimetrias significativas no trabalho entre homens e mulheres? Por supuesto. No entanto, o Inquérito Nacional aos Usos do Tempo de Homens e de Mulheres (2015), o mais recente sobre o tema – apresentado hoje em Lisboa -, afirma que essas assimetrias têm conhecido “uma aproximação progressiva”. Mas vamos por partes, partindo da premissa de que teima(mos) em não mudar: as mulheres continuam com uma carga horária de trabalho não paga bastante superior à dos homens. Trocando por miúdos, a articulação entre vida profissional, pessoal e familiar continua a pesar mais para um lado da balança.
O estudo – uma parceria do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS) com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) – foi efetuado entre 9 de abril e 18 de novembro do ano passado e foram inquiridas 10 146 pessoas representativas da população. Foram ainda realizadas 50 entrevistas de fundo a homens e mulheres empregados com pelo menos um filho, com idade igual ou inferior a 15 anos.
Em média, os homens apresentaram, diariamente, um tempo de trabalho pago – em que se inclui o tempo afeto à atividade profissional e ainda as deslocações entre casa e o local de emprego – de 9 horas e 2 minutos. Já no caso das mulheres, o tempo diário pago é de 8 horas e 35 minutos, registando-se, portanto, uma “disparidade de género de 27 minutos em relação ao trabalho pago” – o que não quer dizer que trabalhem menos. Somando as horas do trabalho não pago com o remunerado, as mulheres trabalham, em cada dia útil, mais de 1h13 do que os homens. E esta diferença pesa tanto na conta como no cansaço. Mais de metade das inquiridas (63,4%) responderam que, no último ano, se sentiram “pelo menos algumas vezes demasiado cansada após o trabalho para realizar algumas tarefas domésticas”. Ainda assim, mais mulheres do que homens dizem sentir-se culpadas por passar pouco tempo em família.
Em termos de eficiência no trabalho remunerado, uma em cada três mulheres – em relação a um em cada quatro homens – admitiu “sentir com alguma frequência dificuldades em concentrar-se no trabalho pago devido às suas responsabilidades familiares”, diz o estudo.
Trabalho não pago Para além do trabalho pago, quando se chega a casa e entramos no mundo das lides domésticas – cozinhar, limpar, arrumar, etc. – e da prestação de cuidados – como cuidar da higiene e alimentação dos filhos e levá-los à escola, ou ainda cuidar de familiares dependentes -, falar de tempo equitativamente partilhado entre homens e mulheres é uma utopia. Por dia, as mulheres passam uma média de 4 horas e 23 minutos a efetuar estas atividades. O tempo desce quase para metade no caso dos homens que, diariamente, gastam “apenas” 2 horas e 38 minutos com este tipo de tarefas.
Isto acontece em todas as faixas inquiridas. Jovens ou idosas, as mulheres trabalham mais em casa do que os homens, mas as diferenças são mais acentuadas consoante a idade, sendo a faixa etária entre os 45 e os 64 anos a que regista uma maior disparidade. E mesmo quando se veem obrigadas a recorrer a “redes de apoio”- nomeadamente na partilha de tarefas domésticas -, a busca continua a ser feita no feminino, com as mulheres a recorrerem essencialmente às filhas e às mães para este tipo de ajuda.
Se, em termos de lides da casa, os homens continuam horas e anos atrás, na participação nos trabalhos de cuidados – em que se inclui tomar conta dos filhos -, o papel masculino é, se bem que ainda menor que o das mulheres, mais evidente.
A maioria dos inquiridos considera a situação normal. Mesmo com todas as assimetrias, apenas duas em cada dez mulheres dizem fazer mais em casa do que seria justo. E “cerca de sete em cada dez expressam a opinião de que a parte das tarefas domésticas realizada por si corresponde ao que é justo”, lê-se no relatório. A consciência masculina também parece tranquila relativamente ao tema doméstico: “Menos de um em cada cinco homens assume ter consciência de que faz menos do que é justo.”
Horário inflexível Em termos de formas de organização do trabalho, o horário fixo continua a ser a modalidade predominante no mercado português, tanto para homens (68,2%) como para as mulheres (74,1%). Seguem-se os turnos rotativos e a jornada contínua ou a flexibilidade de horário, “tidas como mais facilitadoras da articulação com a vida familiar e pessoal”, têm ainda expressão reduzida.