Passear à noite no Parque das Nações – na Expo – é desolador. Com vida, embora cada vez menos, e luz durante o dia, está quase moribundo depois do sol posto.
Tirando o casino e o centro comercial, há cada vez menos restaurantes e bares sobreviventes e perde-se a conta aos espaços fechados, com ar abandonado, num cenário agravado pela penumbra do passeio ribeirinho, sem vivalma entre candeeiros apagados ou com as lâmpadas fundidas.
A FIL também já teve muito melhores dias – a Nauticampo deste ano (com um só pavilhão ocupado) é um espelho do desinvestimento num setor que devia ser prioritário num país à beira-mar plantado.
O Pavilhão Atlântico, quando não há espetáculos – ou seja, na esmagadora maioria dos dias do ano -, continua um espetáculo, porque a escuridão aumenta a sua grandiosidade. Mas não deixa de ser triste.
Como triste é não ver iluminadas as malhas que sustentam a parte suspensa do tabuleiro da magnífica Ponte Vasco da Gama, quais velas desenhadas sobre o rio. Deve ser para poupar para as obras milionárias que transformaram Lisboa num estaleiro.
A zona oriental de Lisboa, devolvida à cidade e recasada com o Tejo com uma obra extraordinária a pretexto da Expo 98, já viu muito melhores dias. A densidade de construção nos anos seguintes e o trânsito caótico sempre que lá se passa alguma coisa desajudaram.
Há erros que não se corrigem, mas outros há que têm solução. Mas há também aqueloutros que são perfeitamente evitáveis e não devem, não podem cometer-se.
Um destes tem a ver com o edifício-ícone de toda aquela zona e que dá pelo nome de Pavilhão de Portugal – que albergou a representação nacional na exposição internacional e que ainda este fim de semana deu sombra a caças e helicópteros da Força Aérea Portuguesa.
Sem futuro programado para além da Expo 98, o Pavilhão de Portugal esteve durante anos sem destino, até que há pouco mais de 12 meses (no final de maio de 2015) foi entregue à Universidade de Lisboa (UL). Com a promessa de 1200 m2 serem alocados por esta instituição à divulgação e promoção da ciência e da cultura, “com uma atividade muito intensa” e “para benefício e visitação de todos na área da arquitetura, das cidades, do ambiente, da energia e da lusofonia” – como declararam, em cerimónia solene, o reitor Cruz Serra e o ministro à época Jorge Moreira da Silva, respetivamente.
Ora uma das ideias absolutamente extraordinárias que estão em cima da mesa, por forma a dar cumprimento às obrigações protocolares muito resumidamente enunciadas, é… fechar a pala. Exatamente, fechar a pala. Sim, o ex-líbris daquele edifício, da Expo, da cidade, uma obra absolutamente fabulosa na arquitetura mundial.
A pala é arte. Pública. Para gozo e fruição de todos. Da cidade e de quem a visita.
Siza Vieira – autor do projeto, que há ano e picos ficou de colaborar com a UL na readaptação dos espaços do edifício que tão bem desenhou – tem de recusar. Só pode.
Ainda para mais agora que, como o seu amigo e colega arquiteto e artista Souto de Moura fez notar numa recente conferência em Chaves, até já abre janelas rasgadas e com vistas desafogadas em obras da sua autoria.
Fechar a pala, seja lá como for, com menor ou maior impacto visual, para fazer daquele espaço um auditório gigantesco, uma sala de eventos ou outra coisa qualquer, é um delírio.
A pala não tem igual no mundo da arquitetura. É única. É notável. Com luz ou no meio da escuridão, é um privilégio usufruir daquele espaço. Ou simplesmente contemplá-lo.
Fechá-lo com umas grades de circunstância para um espetáculo aéreo, como aconteceu no fim de semana passado, é uma coisa.
Fechá-lo de vez, parcial ou totalmente, com maior ou menor impacto, é criminoso.
Naquela pala não se pode tocar. Ou não se devia poder. Nem no espaço a que dá sombra, que é da cidade e de todos.
Há erros que podem e têm de se evitar. Este é um deles. E há que preveni-lo antes que tarde – cortar o mal pela raiz.
Acabar com as varandas, simplesmente não as projetando ou fazendo marquises para aumentar a área coberta, foi das modas mais estúpidas num país com um clima como o de Portugal.
Havia quem dissesse que era para não se ver a roupa pendurada a secar (os vendedores de máquinas de secar e a companhia de eletricidade agradeceram). Que dava mau aspeto aos condomínios e à cidade. Tretas.
Mais ainda agora que os bairros populares é que estão na moda e se vendem aos turistas que invadem Lisboa.
Fechar a pala do Pavilhão de Portugal é seguir a lógica errada das marquises. Uma varanda é uma varanda. Uma pala é uma pala. Esta… não tem igual.
Não a estraguem! Ou melhor, nem pensem em estragá-la!