Arguidos escapam a prisão por inação do Exército

Durante anos, a bola esteve do lado das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e do Exército. Mas nunca se apurou quanto tinham os oficiais de devolver à casa. Acabaram por escapar a penas que iam até três anos de prisão.

Cinco homens ligados às Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE) – três dos quais oficiais daquele ramo militar – escaparam a penas de prisão de dois a três anos no âmbito do chamado ‘Processo das Fardas’. Tudo porque, durante os três anos em que os arguidos tiveram a pena suspensa na condição de devolverem às Oficinas os valores que tinham ganho ilegalmente em negócios com uma empresa estrangeira (a Talisman Europe, Limited), nem as OFGE nem o Exército tomaram qualquer medida para que o dinheiro fosse restituído. E, assim, as penas caducaram.

Fernando Machado Joaquim, António Ferreira Gomes, Rui Frade são oficiais do Exército. Juntamente com Amadeu Freitas e Paulo Antunes, foram condenados por participação económica em negócio. Mas acabaram por ficar com as penas suspensas, na sequência de um recurso interposto na Relação de Lisboa. Condição: nos três anos seguintes, teriam de pagar cada cêntimo dos negócios que fizeram com a empresa de Riccardo Privitera. O prazo começou a contar a 19 de novembro de 2012.

Relação suspendeu penas de prisão aos portugueses

Recuemos cerca de três anos e meio – e mais concretamente ao momento em que a Relação responde aos recursos dos portugueses envolvidos no processo. Privitera tinha recebido, de longe, a maior das penas. Mas não foi o único condenado. Aliás, todos os arguidos pronunciados pelo Ministério Público (MP) viram a Relação confirmar as condenações a penas de prisão.

Mas os desembargadores introduziram uma nuance na pena da primeira instância que acabaria por livrar os três militares e dois civis de acabar atrás das grades. Os cinco homens só acabariam na prisão se não pagassem, até novembro do ano passado, “o montante que viesse a ser liquidado em execução de sentença”.

OGFE e Exército deixam os prazos correr

Para saber qual o valor que os arguidos tinham de devolver, era preciso, antes de mais, apurar em concreto quanto tinham recebido com os negócios feitos à margem das regras.

Até porque cada um dos três militares e um dos civis desempenhavam funções diferentes na instituição: Fernando Machado Joaquim era diretor, António Ferreira Gomes era chefe do serviços comerciais e subdiretor, Rui Frade foi oficial de segurança e chefe do centro de compras, mas também passou pelas Finanças e contabilidade, enquanto Amadeu Freitas foi chefe de secção do setor do mercado externo dos serviços de compras. De qualquer forma, tanto Machado Joaquim como Ferreira Gomes e Rui Frade tinham poderes para mexer nas contas das OFGE.

É nesta fase, quando a bola passa para o lado dos militares, que o processo começa a correr a duas velocidades distintas: uma para o caso de Riccardo Privitera e outra para o dos restantes arguidos.

O italiano – uma figura exótica entre os arguidos, descrito como um burlão especialista em históricas rocambolescas – viu, logo na sentença, decretada a obrigação de devolver quase 8,5 milhões de euros às OFGE pelo esquema que tinha montado e de que tinham resultado prejuízos para a instituição. Foi também condenado a seis anos e meio de prisão, que subiram para mais de sete por cúmulo jurídico com outros crimes.

Mas, no caso dos portugueses, o apuramento do valor em dívida, “referente aos três negócios de aquisição de coletes ‘OGFE-Korce’”, foi relegado para a execução de sentença.

No processo que o SOL consultou, nos últimos três anos foram várias as cartas enviadas pelo tribunal às OFGE, primeiro, e ao Exército, depois (a ‘batata quente’ passou de mãos com a extinção das Oficinas e o ramo militar assumiu as despesas da casa, como mostra uma resposta do Secretário-geral Adjunto  do Ministério da Defesa Nacional, de cinco de março de 2015). Objetivo: levar a que a sentença fosse, de uma vez por todas, executada, para evitar que os arguidos escapassem à consequência dos crimes pelos  quais foram julgados.

A última resposta chegou a 22 de março deste ano (cinco meses depois de a pena suspensa ter caducado). Na missiva, o chefe de gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército refere que aquele ramo “não tem legitimidade” para avançar com a liquidação da sentença, atirando a responsabilidade para o Ministério Público (MP). Acrescentava-se, de resto, que passados três anos sobre o momento em que a sentença transitou em julgado, estaria, nesse momento, a “coligir os elementos probatórios necessários” para remetê-los ao MP.

Não pagam e não vão presos, mas também não têm culpa

Questionada sobre o porquê de não terem sido apurados os valores em falta (para garantir que os arguidos cumpriam a condição que lhes tinha sido imposta), fonte oficial da Procuradoria-Geral da República refere ao SOL que “o MP não representava as Oficinas Gerais e, como tal, carecia de legitimidade para intentar ações em seu nome”.

E acrescenta que, extintas as OGFE (há dois anos e meio, altura em que o processo caiu no colo do Exército), “não foi interposta ação que permitisse liquidar (calcular) o valor das indemnizações”. Um facto que, sustenta o MP, “não é imputável aos arguidos, não podendo os mesmos ser prejudicados por isso”. Daí que, “tendo decorrido o prazo da suspensão das penas sem que os arguidos tivessem cometido outros crimes durante tal período, o Ministério Público promoveu e o juiz decidiu declarar extintas tais penas”.

Escaparam à prisão, mas poderão não escapar a pagar o que devem ao Exército no âmbito deste processo. Segundo fonte judicial, a liquidação não estava indexada ao prazo da pena suspensa a que estavam sujeitos. Pode, por isso, ser feita a qualquer momento.

pedro.rainho@sol.pt