Entre caracóis, moelas e imperiais, qualquer dono de um restaurante sabe que grandes embates desportivos são sinónimo de mais negócio. O Europeu de Futebol não é exceção e, embora não haja propriamente um estímulo económico com efeitos duradouros, a vitória de Portugal está a dar um impulso extra a setores ligados ao consumo, ao lazer e ao desporto.
Segundo um estudo do IPAM – Instituto Português de Administração de Marketing -, uma vitória no Euro tem um impacto estimado de 609 milhões de euros na economia portuguesa. Como é que uma competição em França pode gerar tanto dinheiro em Portugal? “A grande fatia são os jogos propriamente ditos. Milhares de portugueses foram a França ver jogos e milhões ficaram cá a ver os jogos em casa, na restauração, ou nos fun parks. E no tempo de jogo há consumo adicional de comida, de petiscos, de bebidas”, explica ao i Daniel Sá, diretor executivo do IPAM e o coordenador do estudo sobre o impacto do europeu.
Cafés, restaurantes, cervejeiras, hipermercados, entregas de comida ao domicílio, empresas de catering e tabaqueiras faturaram mais com a prova. E, além desta componente mais ligada à restauração e ao consumo, há que somar todos os setores que também beneficiam com realização da prova desportiva. A Federação Portuguesa de Futebol recebe uma receita por ter ganho a prova, as agências de publicidade e de meios faturam mais com a publicidade ligada à prova. Os transportes e as gasolineiras têm mais negócio, tal como as empresas de segurança e de limpeza. As agências de viagens e de hotelaria capitalizam as viagens para os jogos. E as apostas online são cada vez um negócio mais forte. “Tem de se somar muitas parcelas. O Europeu não são apenas sete jogos. Há a fase de estágios, com jogos de preparação. Depois há todo o acréscimo posterior de vendas de merchadising, de comunicação publicitária de marcas patrocinadoras do euro, etc. Tudo isto é consumo que não se faria se não houvesse Europeu de Futebol”, resume Daniel Sá.
E a longo prazo? O estudo do IPAM calcula apenas efeitos tangíveis que se verificam antes, durante e imediatamente depois da competição – incorpora já o impacto da euforia que está a viver-se, por exemplo.
Mais difícil é perceber se há efeitos económicos prolongados no tempo. O docente do IPAM acredita que sim, já que há um “impacto positivo na autoconfiança” dos portugueses e até junto do mercado externo, que “vê Portugal como um país bem sucedido”. O docente lembra até o caso do Brasil, que teve uma prestação sofrível no mundial de 2014 – a goleada de 7-1 frente à Alemanha deixou marcas – e que entrou depois numa grave crise social, política e económica. “O futebol não comanda tudo, mas tem impacto”, frisa.
Mas o economista João César das Neves, docente na Católica, tem reservas quanto a estes potenciais benefícios do Europeu. “Duvido muito que os efeitos, que serão sempre pequenos e em sentidos contraditórios, cheguem a ter expressão”, considera.
A economia como um todo funciona com uma complexidade que não se resume às quatro linhas. É duvidoso que um empresário decida investir mais só porque Portugal ganhou à França, ou que uma família compre um automóvel novo só porque está contente com a seleção.
A história recente mostra que não é possível estabelecer uma correlação direta entre o andamento da economia e o sucesso em eventos desportivos como o europeu de futebol. A Espanha foi bicampeã em 2012 e isso não evitou o aprofundamento da recessão em que o país estava, com o PIB a cair 2,6% nesse ano. A Grécia levou para casa o troféu em 2004 e não foram precisos muitos anos para que entrasse numa profunda depressão, que dura até hoje. Mas é inegável que o incremento da atividade tem efeitos positivos nas receitas de setores específicos e há um contributo positivo, a curto prazo.
Os 609 milhões de euros estimados representam cerca de 0,3% do PIB. Não é propriamente um programa keynesiano de estímulo à procura interna, mas tendo em conta o estado anémico em que a economia nacional vive há anos, todas as ajudas servem. César das Neves deixa apenas um alerta: “O que devemos é evitar que nos aconteça como a Grécia, que também ganhou o campeonato em 2004, uns tempos antes de ter um enorme colapso económico”.