2.Sem dignidade institucional, o Estado perde autoridade para com os seus cidadãos – e um Estado sem autoridade, democraticamente fundada, é um Estado condenado ao falhanço. E um Estado condenado ao falhanço é uma ameaça grave à liberdade de todos e cada um dos portugueses. Ora, qual o estado do Estado português? A Assembleia da República está mais fragmentada do que nunca, dominada por uma coligação baseada no medo e na desconfiança recíproca. Entre uma força tradicionalmente moderada (o PS) e forças radicais de extrema-esquerda, anti-europeístas (PCP e BE). O Governo dispensa comentários adicionais – está em clima pré-eleitoral há meses.
2.1.Resta-nos o Presidente da República. Ora, o Presidente da República reuniu o seu conselho consultivo – o Conselho de Estado. Espera-se que neste órgão impere o bom senso, a lucidez, o sentido de Estado, o patriotismo, uma invulgar capacidade de pensar estrategicamente, com serenidade, sem divisões partidárias inconsequentes e sem a tentação de fugas para a comunicação social. Garantir que o Conselho de Estado funcione em termos de elevada reputação e dignidade institucional não é um desafio assim tão difícil – basta pensar que Cavaco Silva convocou diversas vezes o Conselho (mesmo no período quente que se seguiu ao anúncio da TSU por Passos Coelho, iniciativa que depois acabou por cair) e nunca houve uma fuga para a comunicação social sobre os discursos dos Conselheiros deturpada, nem mesmo a necessidade de o Presidente da República se envolver num imbróglio político gerado por uma reunião deste seu órgão consultivo.
2.2. Pois bem, alguém informou os jornalistas do “Público” que Cavaco Silva apoiara a aplicação de sanções contra Portugal por incumprimento das metas orçamentais e dos compromissos europeus; o autor destas linhas foi informado, por fonte que seria muito segura, que Cavaco quebrara a unanimidade do Conselho de Estado – e, afina, parece que não. Parece que Cavaco Silva está alinhado, em termos discursivos, com Pedro Passos Coelho e o PSD. Portanto, a unanimidade não foi quebrada.
3. Ora, por que razão houve gente de Belém que quis tramar Cavaco Silva? Com que objectivos o fez? E porquê com este timing? Como expediente mediático-comunicacional para valorizar os méritos (que são muitos) do actual Presidente da República, enfraquecendo ainda mais a imagem pública do seu antecessor? Seria uma estratégia muito amadora de gente que é muito profissional e que está – com muito mérito – a trabalhar em Belém…
4. Terá sido (como já foi escrito em alguns blogues) o próprio Presidente da República a contar ao público que Cavaco Silva se opusera à unanimidade contra a aplicação de sanções a Portugal ao “Público”, numa reprise do episódio da “vichyssoise” ? Claro que não: Marcelo Rebelo de Sousa é hoje um institucionalista e a vida muda. E a vida de Marcelo mudou muito: era jornalista, viciado em factos políticos e em pequenas partidas político-divertidas; hoje é Presidente da República, contido, moderado e sensato. Não queremos – não podemos! – acreditar que tenha sido o próprio Presidente a dar a notícia à comunicação social.
5. Onde Marcelo Rebelo de Sousa não esteve tão bem foi no episódio de permitir, por via telefónica, a António Lobo Xavier que divulgasse o que foi dito no Conselho de Estado – reunião do Conselho que é sigilosa. Então, pode um Presidente da República, por chamada de telemóvel, autorizar um seu Conselheiro (por si indicado), que é comentador televisivo, a divulgar as declarações de outros Conselheiros, afastando a regra do funcionamento sigiloso do órgão?
6. Então, mas se uma notícia de jornal é suficiente para levantar o sigilo do funcionamento do Conselho de Estado – em que situações o sigilo é absoluto? A partir de agora, bastará um rumor, uma noticiazinha, uma suspeição, uma crítica de um jornal – para que as reuniões do Conselho de Estado passem a ser públicas. E se o Presidente Marcelo autorizou António Lobo Xavier, porque não autorizar também, por telemóvel, Luís Marques Mendes, nos seus comentários de domingo? Ou os representantes do PCP ou do Bloco de Esquerda? Este pode bem ser um precedente complicado para Marcelo…Era escusado, Presidente Marcelo! Era escusado…
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