Durão Barroso na Goldman Sachs: uma boa notícia para os socialistas

Nem se diga que Durão Barroso é totalmente inexperiente no que à gestão bancária e financeira diz respeito: Barroso colaborara com o BES durante alguns anos, sendo até um dos colaboradores mais próximos (e admirados) por Ricardo Salgado. 

Durão Barroso, como já é amplamente conhecido, foi escolhido para chairman do Goldman Sachs International, com sede em Londres. As reacções a esta escolha da poderosa financeira norte-americana sucederam-se, oscilando entre o efusivo e o compreensivo (casos de Marcelo Rebelo de Sousa e Passos Coelho), o compreensivo (caso de António Costa) e o criticismo acutilante (casos do PCP, do BE e de dirigentes com altas responsabilidades políticas em França, incluindo o próprio Presidente François Hollande).

Ora, propomo-nos aqui analisar a designação de Durão Barroso sem preconceitos ideológicos, sem complexos sobre a “alta finança” – e, sobretudo, sem as muito badaladas teorias da conspiração sobre a vontade da alta finança norte-americana conquistar a europa. Primeiro: Durão Barroso, ao tomar a decisão de se retirar da política, tem o direito de escolher a sua actividade e o seu empregador. O barrosismo já estava, aliás, presente na Goldman Sachs através de José Luís Arnaut.

Nem se diga que Durão Barroso é totalmente inexperiente no que à gestão bancária e financeira diz respeito: Barroso colaborara com o BES durante alguns anos, sendo até um dos colaboradores mais próximos (e admirados) por Ricardo Salgado. E, nos últimos anos, tem leccionado, na Universidade de Princeton, a cadeira de gestão de riscos políticos e desafios económicos e financeiros no novo contexto geopolítico. Isto para além das inúmeras conferências em que tem participado sobre, não por acaso, finanças internacionais e risco político – sendo, inclusive, um dos oradores mais bem pagos na cena internacional.

Ora, é um direito constitucional de Durão Barroso escolher a sua actividade profissional e o seu empregador. As limitações aos direitos fundamentais dos cidadãos portugueses têm que ser efectuadas com observância do princípio da proporcionalidade, nas suas dimensões de necessidade, adequação, proporcionalidade em sentido estrito e razoabilidade. Essa medida de proporcionalidade é-nos dada pela legislação que impõe um “período de nojo” entre a cessação do exercício das funções de Presidente da Comissão Europeia e o reinício do exercício de funções no sector privado. Portanto, o problema não é legal, nem moral (o que seria moralmente mais condenável – a ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs ou o apoio, envergonhado às vezes, do PCP à ditadura sanguinária e horrenda da Coreia do Norte?): o problema é político. Consiste em saber se Durão Barroso politicamente, do ponto de vista da manutenção da sua credibilidade e da sua autoridade políticas, deveria aceitar o convite para chairman da Goldman Sachs.

Politicamente, porventura, nós, na posição de Durão Barroso, teríamos optado por caminho profissional diverso. Mas o melhor juiz de si mesmo, nestas matérias, é a própria pessoa – portanto, se Durão Barroso avaliou que a Goldman Sachs representa para si o desafio profissional mais estimulante, fez bem em aceitar. Até porque Durão Barroso, com esta decisão, renunciou definitivamente à política formal – não abdicando, no entanto, de exponenciar a sua capacidade de influência. Ou seja: Durão Barroso disse “adeuas” à política; mas não disse “adeus” ao poder e à influência.

Mais: Durão Barroso percebeu que o poder informal pode ter mais poder e influência que o poder político fornal. Percebeu que sendo chairman da Goldman Sachs tem mais poder que muitos Chefes de Estado e Chefes de Governo por esse mundo fora. Durão Barroso terá mesmo confidenciado aos mais próximos que tem mais poder, neste seu novo cargo, do que Marcelo Rebelo de Sousa (mesmo Presidente da República de Portugal) alguma vez terá na sua vida.

Do ponto de vista da Goldman Sachs, Durão Barroso foi uma escolha assaz inteligente e certeira. Isto porque a Goldman Sachs International tem a sua sede em Londres – e  é uma das principais protagonistas da “city” londrina, estando, por conseguinte, legitimamente preocupada com as repercussões do “Brexit”. Ora, Durão Barroso conhece várias dos protagonistas políticos londrinos, bem como os bastidores de Bruxelas – pelo que terá informação privilegiada sobre as negociações da saída do Reino Unido da União Europeia e seu impacto, imediato e mais longínquo.

Por outro lado, Durão Barroso é o homem certo para liderar as operações europeias da sociedade financeira multinacional na actual e prospectiva conjuntura política do “Velho Continente”. Porquê? Porque a saída do Reino Unido gerará um novo equilíbrio de forças no seio da União, com a Alemanha a centralizar (ainda mais) o seu poder com a correlativa perda de força (ainda mais clara) da França. O eixo “Berlim-Berlim” vai reforçar-se com a saída do Reino Unido. Antes de se encontrar na União Europeia, a França precisa de se reencontrar a si própria.

E qual a personalidade política ideal para liderar a Goldman Sachs International, numa altura em que a Alemanha se afirma definitivamente como a potência europeia dominante? Durão Barroso, pois claro. Durão Barroso foi um aliado de peso e incondicional de Angela Merkel nos anos em que liderou a Comissão – e Angela Merkel nutre por Durão Barroso uma intensa (e sem reservas) admiração. A contratação de Durão Barroso para chairman da Goldman Sachs significa, assim, o desejo da financeira em se perfilar ao lado da potência dominante (cada vez mais) exclusiva da europa. Daí as críticas de François Hollande.

Uma última nota para dizer que a escolha de Durão Barroso é uma boa notícia para os socialistas portugueses. De facto, aquando da nomeação de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, os socialistas afirmaram que era uma notícia muito prestigiante para Portugal. Então e agora não é uma notícia prestigiante para Portugal, aplicando o mesmo critério da notoriedade internacional de um cidadão português?

Além disso, Durão Barroso poderá desempenhar um papel importante a sossegar os investidores internacionais sobre a situação política portuguesa: explicar-lhes que, embora o Governo português seja apoiado pelos comunistas, ainda não é um Governo comunista. E, neste sentido, Durão Barroso poderá ser um aliado de António Costa na atracção de investimento internacional para Portugal. Note-se que os socialistas queixaram-se da ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs; mas António Costa não…