Há meia dúzia de anos, uma frase do presidente do Goldman Sachs durante uma entrevista tornou-se célebre. “Eu faço o trabalho de Deus”, assumiu Lloyd Blankfein, o poderoso chairman do banco norte-americano que acaba de contratar Durão Barroso. A ideia não era para levar à letra – o gestor referia-se ao facto de os banqueiros terem um papel social determinante – mas ali ficou cunhada a imagem do maior banco de investimento do mundo, que se notabiliza por negócios e contratações polémicas.
Com quase 150 anos de história, o banco norte-americano tem escritórios em dezenas de países e mais de 35 mil empregados à escala mundial. No ano passado, lucrou “apenas” 5,6 mil milhões de dólares – um valor mais alto que o PIB de alguns países de África. A queda dos lucros deveu-se ao pagamento de multas depois de um acordo com as autoridades norte-americanas, num litígio que se arrastava desde o eclodir da crise imobiliária no país em 2008.
O banco foi posto em causa pela venda, entre 2005 e 2007, de uma carteira de empréstimos para aquisição de habitação financeiros que provocaram perdas aos compradores e que contribuíram para a crise do subprime.
Não se chega ao topo sem polémica e os negócios do Goldman são prova disso. “O Goldman está em todo o lado: a falência do banco Lehman Brothers, a crise grega, a queda do euro, a resistência da finança a toda a regulação, o financiamento dos défices e até a maré negra do golfo do México”, escreveu Marc Roche no livro “O Banco”, um dos documentos mais aprofundados sobre os negócios do banco norte-americano.
Além do envolvimento na crise financeira global de há quase dez anos, o Goldman teve um papel determinante no começo da crise da Zona Euro a partir de 2010 – um dos motivos que levam Durão Barroso a estar sob fogo cerrado.
A história foi resumida pelo antigo secretário de Estado do Trabalho americano Robert Reich, num artigo da Nation. “Em 2001, a Grécia buscava maneiras de mascarar os seus crescentes problemas financeiros. O Tratado de Maastricht exigia que todos os membros da zona do euro mostrassem melhoras nas suas contas públicas, mas a Grécia ia na direção oposta. Então o Goldman Sachs veio em seu socorro, oferecendo um empréstimo secreto de 2,8 bilhões de euros, disfarçado de swap cambial não contabilizado – uma operação complicada, em que a dívida da Grécia em moeda estrangeira foi convertida em obrigações em moeda local, utilizando uma taxa de câmbio fictícia. Como resultado, cerca de 2% da dívida da Grécia magicamente desapareceram das contas nacionais”.
A ocultação de dívida com produtos financeiros complexos do Goldman continuou até 2009 e o resto é conhecido. Quando se descobriu aquele buraco monumental nas contas do país, os mercados entraram em queda livre.
O presidente do BCE não escapou a esta polémica. Tal como muitos outros dirigentes europeus, Mario Draghi passou pelo Goldman Sachs e o envolvimento no caso de ocultação grega foi questionado no Parlamento Europeu. Draghi negou e nunca foram indicadas provas de que havia feito algo de errado, mas a dúvida ficou.
Um artigo do “New York Times” de outubro de 2011 cita um ex-banqueiro do Goldman Sachs a afirmar que Draghi foi encarregado de vender em toda a Europa os “swaps” que dissimulavam a dívida soberana. E o caso mostrou à lupa a rede de contactos do banco norte-americano. “Ao contrário dos seus concorrentes, o banco não está interessado nem nos diplomatas na reforma, nem nos altos funcionários nacionais ou internacionais e ainda menos nos antigos primeiros-ministros ou ministros das Finanças. O Goldman visa prioritariamente os responsáveis de bancos centrais ou os ex-comissários europeus”, explica Marc Roche.
Alessio Rastanim, um trader da bolsa que se tornou uma celebridade nas redes sociais numa entrevista à “BBC”, resumiu o que é o sistema financeiro. “Este não é o momento para pensar que os governos irão resolver as coisas. Os governos não mandam no mundo, o Goldman Sachs manda no mundo”.
Nos Estados Unidos, o Goldman é um dos bancos mais contestados pelo envolvimento em empréstimos agressivos que causaram perdas a consumidores. Há anos, nos protestos “Ocuppy Wall Street”, o Goldman foi o principal visado.
As relações com o poder são contestadas. Na crise do subprime, o Tesouro norte-americano fez um resgate à banca. Paulson, então o secretário de Estado do Tesouro, era um antigo funcionário do banco. “Estava em contacto muito frequente com Lloyd C. Blankfein, presidente-executivo do Goldman”, segundo documentação obtida pelo “New York Times”. Chegavam a falar por telefone 12 vezes por dia.
“O Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando os seus lucros e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman esquiva-se e esconde-se por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas”, escreve Robert Reich.
Lloyd Blankfein sabe que não é a pessoa mais amada do planeta, e tem vindo a defender o papel dos grandes bancos. “Somos muito importantes. Ajudamos as empresas a crescer, ajudando-os a levantar capital. Estas empresas crescem e criam riqueza. Isto, por sua vez, permite que as pessoas tenham empregos que criam mais crescimento e mais riqueza. Temos um propósito social”, disse, na mesma entrevista em que assumiu que banqueiros apenas fazem o “trabalho de Deus”. Deus atua de maneiras misteriosas.