Bernardo Provenzano, o ‘capo dos capos’ da máfia

Foi apelidado de ‘O Trator’ pela forma como ceifava as suas vítimas, mas os anos e o fervor católico fizeram dele um homem de grande disciplina. A segunda alcunha era ‘O Contabilista’

Viveu como um monge na clandestinidade. A Polícia italiana precisou de 43 anos para, finalmente, lhe deitar a mão. Porquê? As autoridades descobriram a explicação quando entraram na quinta perto de Corleone, na Montagna dei Cavalli, último refúgio de Bernardo Provenzano, padrinho da Cosa Nostra, a máfia siciliana, desde 1993. ‘O Trator’, como era conhecido, dormia num saco-cama, tinha outro saco para os seus poucos pertences, além de roupas, e diversas edições da Bíblia.

Durante anos, a sua foi uma vida austera, sem quaisquer luxos, e num tipo de isolamento que só um camponês como ele era capaz de aguentar. A mulher ficou longe, os dois filhos cresceram sem o pai. As suas vidas não se cruzaram com a da máfia, mas não era segredo a ocupação de Bernardo desde muito novo.

Provenzano nasceu a 31 de janeiro de 1933, no seio de uma família de trabalhadores agrícolas, o terceiro de sete irmãos. Deixou a escola aos dez anos para ajudar a família no cultivo dos campos. Os seus primeiros crimes incluíram o roubo de gado e atos de extorsão, pensando-se que terá sido iniciado na máfia quando atingiu a maioridade.

Depois das muitas décadas em que andou fugido, foi detido em 2006 e passou dez anos preso num regime de alta segurança, com várias condenações a prisão perpétua. Em abril de 2014, foi hospitalizado mas só morreu esta quarta-feira, aos 83 anos.

Em 2012, a Polícia noticiou que Provenzano tentara suicidar-se na prisão. Algo estranho para um católico devoto que, na década que passou encarcerado, não lia jornais nem revistas, pouco tempo passava em frente à televisão, dedicando-se sobretudo à leitura e anotação da Bíblia e outros textos sagrados.

«Ele dispara como um Deus, só é pena que tenha o cérebro de uma galinha». Isto disse-o de Bernardo Provenzano, em tempos, o antigo líder da máfia siciliana, Luciano Leggio. Afinal, a fraca impressão seria outro dos trunfos do ‘Padrinho’, que não deixava ninguém espreitar-lhe as ideias. Os 43 anos que passou foragido – um recorde absoluto na história da Cosa Nostra –, provam que Provenzano tinha argúcia para manobrar as sombras, impondo-se como ‘o capo dos capos’.

O seu apelido ficou a dever-se à sua primeira execução de uma figura de relevo da máfia sicialiana, Michele Cavataio,  o chefe de uma organização rival, morto nos escritórios de empresa de construção em Viale Lazio, na província de Palermo, em 1969. Conta-se que, depois de a metralhadora que levou para fazer o trabalho ter encravado, usou a coronha da arma e golpeou-lhe a cabeça, antes de finalizar com uma bala no mesmo sítio. Numa jogada copiada do manual de Al Capone, Provenzano e os seus homens tinham aparecido em uniformes de polícia, enquanto Salvatore ‘Totò’ Riina, o futuro líder da Cosa Nostra, aguardava o desfecho num carro à saída do edifício.

Os dois provinham de Corleone, a célebre comuna que Mario Puzo imortalizou nos seus romances sobre a máfia, adaptados com um sucesso ainda maior por Francis Ford Coppolla na clássica triologia O Padrinho. Antes de revelar aspirações de liderança, Provenzano provou ser um braço direito formidável, ajudando o homem que viria a ficar conhecido como ‘A Besta’ na sua sangrenta ascensão. A lealdade não vacilou nem quando Riina entrou em guerra aberta com o Estado, ao assassinar dois magistrados empenhados no combate à máfia, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992.

Um ano depois, e com a prisão de Totò Riina, entrou em cena Bernardo Provenzano já no papel de ‘Padrinho’ da Cosa Nostra, passando boa parte do período de clandestinidade na região de Palermo. Movia-se por toda a ilha, sempre protegido pelas famílias mafiosas, até recolher à sua terra, Corleone, onde contava com a discrição e proteção de todos.

A Polícia viu-se forçada a instalar câmaras de vigilância nas ruas. Foi preciso passar a pente fino e durante meses a fio as muitas horas de gravações para que fosse detetado um saco de plástico de supermercado que era visto a passar de mão em mao, numa distância de cinco quilómetros, entre várias casas, antes de chegar finalmente à quinta de Bernardo Riina e Giovanni Marino. Dali acabava por sair algum tempo depois e fazer o trajeto inverso. Era o saco que, como se soube mais tarde, servia de elo de ligação entre Provenzano e a organização.

Nos últimos anos, enquanto cabeça do ‘Polvo’, Provenzano cultivou uma abordagem em que a astúcia e a diplomacia eram preferidas à brutalidade que caracterizou ‘A Besta’. Deixaram de tratá-lo como ‘O Trator’ e Provenzano era agora ‘O Contabilista’, e tinha na sua lista de pagamentos políticos e uma série de administrativos, para assegurar que a Cosa Nostra continuava a ficar com os contratos públicos  mais chorudos na ilha. Geria assim, sem grandes incidentes, um verdadeiro império de negócios.