Após um terceiro dia de convenção com muito caos e a primeira expressão de uma dissidência (ou, pelo menos, não alinhamento) oficial de uma figura proeminente e ex-adversário de Donald J. Trump nas primárias do GOP – Ted Cruz, o Senador do Texas – , eis que o último dia da Convenção correu de feição para o agora candidato oficial do GOP às eleições presidenciais de Novembro próximo.
Do ponto de vista do espectáculo televisivo e da eficácia mediática, o dia de ontem foi concebido meticulosamente pela organização da campanha de Donald J. Trump. Após muita (e boa) música (e os tais “pulos de dança” tão criticados por membros da extrema-esquerda portuguesa), a noite política iniciou-se com um discurso fortíssimo de apoio a Trump e de críticas muito virulentas dirigidas a Hillary Rodham Clinton protagonizado pelo “chairman” da Convenção Republicana, Reince Priebus.
Ao que se se seguiu o vídeo de apresentação da biografia de Donald Trump (como se alguém ainda o precisasse de conhecer!). Trump é retratado como um empresário de sucesso, um construtor visionário, um empreendedor, um vencedor, um pai de família, um homem humilde e com um enorme coração – enfim, tratou-se de reforçar (ainda mais) a mensagem que a campanha republicana quer “vender” ao eleitorado norte-americano, sobretudo à ala mais conservadora do partido que se revê nestes valores.
Minutos depois, surge, finalmente, o grande momento da noite (e da Convenção): o discurso de Donald J.Trump, precedido de apresentação pela sua filha, Ivanka Trump. O discurso de Ivanka (como já havia sido o discurso do seu filho mais velho, Donald Trump Jr.) foi muito bem estruturado, com uma mensagem política muito forte: o pai, ora tornado candidato a Presidente dos EUA, é um homem que luta pela meritocracia, não distinguindo os seus colaboradores pelo sexo, pela raça ou pela proveniência social. E que sempre valorizou as mulheres, sempre tratou as mulheres com dignidade e que merece o respeito (e admiração) de todas as suas colaboradoras. Ivanka aproveitou, ainda, para reforçar a mensagem – que já havia sido referida pelos seus irmãos, Donald Trump Jr e Eric Trump – de que Trump foi um pai exemplar, sempre presente e um verdadeiro vencedor em tudo o que fez na vida.
Muito segura e dominando o palco como ninguém (nem mesmo o seu pai foi tão eficaz!), Ivanka – que entrou ao som da música “here comes the sun” dos Beatles – permitiu a Donald Trump surgir com um novo elã na Convenção, apagando, ou reduzindo à insignificância mediática, o discurso de Ted Cruz. Outra questão é saber se Ivanka Trump poderá, nas próximas semanas e meses, ser o trunfo do candidato republicano para conquistar o voto feminino. Para já, mesmo Megyn Kelly – a moderadora da FOX NEWS que teve altercações verbais, embora com classe, em público com Donald Trump – já veio tecer rasgados elogios a Ivanka.
Quanto ao discurso de Trump, por muito que possa custar aos europeus, foi um discurso politicamente inteligente, eficaz e perspicaz. Vejamos em que termos.
Em primeiro lugar, foi um discurso muito longo (cerca de 70 minutos), mas nunca aborrecido. Porquê? Porque Donald J. Trump tem uma técnica discursiva que segue à risca o método “KISS” – Keep it Studiply Simple. Os discursos de Trump são estupidamente simples – assentam em duas ou três ideias forte, as quais são repetidas à exaustão num discurso concebido para consumo televisivo e para as redes sociais.
Por exemplo, ontem, a ideia forte que se pretendeu vincar foi a de Donald J. Trump como presidente que irá repor a “ law and order” – a lei e a ordem; ou, numa tradução que julgamos mais ajustada, o Direito e a Autoridade. Seria um exercício interessante contar as vezes que Donald Trump repetiu a expressão “law and order”, bem como o número de ocasiões em que, ao longo do discurso, voltou ao tema da segurança e da necessidade de defender a lei em todas as cidades americanas. Isto para além de repetir constantemente o elogio feito às forças de segurança norte-americanas, sobretudo aos polícias da cidade de Cleveland, no Ohio, onde se realizou a Convenção do GOP.
Em segundo lugar, Donald J. Trump insiste na imperatividade de exibir o poderio norte-americano na diplomacia económica, “rasgando” os tratados injustos que os “Clintons” assinaram com outras nações – isto porque tais tratados serão a principal causa do desemprego e da exclusão social de milhares de cidadãos norte-americanos. Trump deu como exemplo máximo de “disparate” e “injustiça” a NAFTA, um Tratado de Livre Comércio celebrado entre os EUA, o Canadá e o México. Trump prometeu, ainda, uma posição de força contra a China, que utiliza mecanismos de desvalorização cambial, que reduz a competitividade dos produtos americanos e, consequentemente, leva à destruição de postos de trabalho em solo norte-americano.
Isto é, o segundo ponto forte de Donald Trump passa por apelar ao voto das “working class”, dos excluídos pelo sistema construído pelo establishment de que Hillary Clinton é um expoente máximo, chegando até à apelar ao apoio, na eleição geral, àqueles que votaram em Bernie Sanderes nas primárias! O que comprova a nossa tese – que defendemos aqui neste espaço do SOL – que o fenómeno Bernie Sanders foi apenas o impacto do fenómeno Trump no Partido Democrata…
Em terceiro lugar, Donald J. Trump propõe uma política externa baseada no “americanismo”, e não no “globalismo” que tem dominado as últimas décadas. No entanto, promete acabar com o ISIS (Estado Islâmico) –e acabar rapidamente. Ora, como é possível prometer acabar com o ISIS – abdicando de qualquer intervenção no exterior? Esta (aparente?) contradição mostra que o “americanismo” de Trump não significa necessariamente a apologia do regresso do isolacionismo…
Enfim, tudo somado, temos que Donald J. Trump não quer ser um candidato amado por todo o mundo, por todos os líderes políticos mundiais, nem ganhar prémios nóbeis – Trump quer, tão somente, ganhar as eleições presidenciais norte-americanas de Novembro. E o seu discurso tem que ser interpretado à luz deste objectivo.
E à luz deste objectivo (apenas!), o discurso de Donald J. Trump foi deveras inteligente. Porque apela aos três sentimentos que, ao longo da humanidade, sempre moveram os eleitores: o medo, o desejo de triunfo e o orgulho nacional.
Medo, na medida em que traça um cenário negro do estado actual das grandes cidades americanas no que respeita à segurança e à tranquilidade, prometendo repor o Direito e a Autoridade. E a dignificação das forças de segurança.
Desejo de triunfo, porquanto promete criar postos de trabalho e dinamizar o espírito naturalemente empreendedor do povo americano, contra o excesso de regulações governamentais e a destruição da competitividade da economia por tratados de comércio injustos. Donald J. Trump afirmou-se mesmo como o candidato que dá voz aos que não têm voz!
Orgulho nacional, porque pretende impor o respeito e o prestígio dos EUA a nível internacional, levando as outras nações a cumprir os seus deveres. Os EUA são o melhor e o maior país do mundo – logo, não tem que prestar contas a ninguém. Trata-se de uma visão radical e distorcida (ou radical, porque distorcida) do “excepcionalismo americano”.
Eis, pois, o cerne da estratégia que Donald J. Trump irá aplicar até Novembro. Apostar forte na combinação do medo, do desejo de triunfo e no orgulho nacional dos cidadãos americanos. Esta é a previsibilidade possível dentro da imprevisibilidade em pessoa que é Trump. Para já, uma certeza, no meio de tantas incertezas: Trump está na luta. Hillary Clinton não terá vida fácil…