Volto à questão das crescentes desigualdades de rendimentos que afetam o capitalismo desde há quarenta ou cinquenta anos – podemos chamar-lhe capitalismo financeiro. Antes disso, e ao longo do séc. XX até cerca de 1970, o capitalismo industrial tinha sido um “democratizador económico” nos países desenvolvidos, transferindo grande parte do proletariado para a classe média. Depois a tendência inverteu-se.
Ora as consequências políticas, sociais e até económicas (se a riqueza se concentra num número restrito de pessoas riquíssimas o consumo tende a estagnar) dessa viragem são, porventura, o mais sério desafio que as sociedades ricas, e outras menos ricas, enfrentam no século XXI. Por isso começam a surgir políticos de direita preocupados com este problema; ou, se quisermos, conscientes de que as desigualdades afetam uma grande parte do eleitorado e portanto não podem ignorá-las.
Um exemplo é Donald Trump, nos EUA. Trump joga na insatisfação da classe média americana, cujo nível de vida quase estagnou nas últimas décadas, enquanto um pequeno grupo de privilegiados ganha ou possui fortunas enormes. Muita gente sente-se posta de lado.
Claro que as soluções de Trump para ultrapassar as disparidades de riqueza são lamentáveis: protecionismo, isolacionismo no plano internacional, expulsão de imigrantes, etc. Mas a surpreendente ascensão de Trump a quase certo candidato presidencial do Partido Republicano (cuja cartilha política ele em parte rejeita) explica-se pelo mal-estar sentido pela classe média americana, que se sente vítima do ‘sistema’. O desbragado populismo de Trump alimenta-se das crescentes desigualdades económicas. Mais significativa, ainda, é a posição tomada por Theresa May, a nova chefe do governo da Grã-Bretanha. Antes de tomar posse, T. May prometeu afrontar os interesses instalados no mundo empresarial, colocando representantes dos trabalhadores e dos consumidores na administração das principais empresas britânicas – algo que existe há décadas na Alemanha, mas que tem sido anátema para o capitalismo anglo-saxónico. Theresa May prometeu, ainda, impor limites nas remunerações dos gestores de topo; por exemplo, tornando obrigatórias, e não apenas consultivas, as decisões das assembleias gerais de acionistas sobre essa matéria (acionistas de grandes empresas como a BP protestaram este ano por não terem sido aceites as suas reivindicações quanto ao que consideram ganhos excessivos dos gestores).
Estas propostas de T. May vão contra a tradicional linha ideológica do seu partido. De alguma forma, são contrárias ao legado da Margaret Thatcher, a grande referência do Partido Conservador britânico. Aliás, T. May fez questão de se distanciar dos anos de Thatcher, ao dizer acreditar na dimensão social da vida humana e não apenas no individualismo e nos mercados (ficou célebre a frase de Thatcher afirmando que a sociedade é algo que não existe, só existem as pessoas). Decerto que as propostas de T. May têm como alvo apenas alguns dos fatores da desigualdade que se acentua no capitalismo presente. Mas são propostas significativas, vindas de quem agora lidera os conservadores. E Theresa May mostrou ao longo de seis anos como ministra do Interior de David Cameron ser uma mulher política de aço, pouco dada a meias-tintas. Nisso, lembra Thatcher.