As declarações de Amadeu Guerra sobre a Operação Marquês – sobretudo, o cenário de novo adiamento do despacho final do Ministério Público, deixado em aberto pelo próprio diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) – motivaram um novo ataque de José Sócrates contra o que considera ser uma «arrogância» do responsável do departamento. Na resposta, o antigo primeiro-ministro lança várias críticas ao Ministério Público (MP) e faz o primeiro ensaio de um (eventual) regresso político: «A minha vida política terminará quando eu quiser».
A sessão de respostas a Amadeu Guerra, em conferência de imprensa no mítico Hotel Altis, em Lisboa, serviu para o antigo primeiro-ministro avisar que vai andar por aí: «A minha vida política terminará quando eu quiser [e] se alguém pensa que vou pôr um fim à minha carreira política com este processo, que é basicamente o que me parece evidente, engana-se».
A relação de Sócrates com Belém já teve fases bastante distintas. Houve um tempo – quando a Operação Marquês ainda nem sequer tinha nascido – em que o socialista afastava por completo as pretensões de concorrer. «Quando nos candidatamos, não são os outros que nos motivam, temos que ser nós próprios a sentir essa vontade de fazer, de servir o seu país, de dar o seu contributo, mas não sinto essa motivação e não quero regressar à vida política ativa», dizia o ex-primeiro-ministro em agosto de 2013.
Mas isso era antes. Com o seu processo já bem avançado e com as presidenciais para trás das costas, Sócrates aponta agora as intenções políticas que diz reconhecer entre as várias motivações que estiveram na origem da Operação Marquês: «A primeira foi impedir-me de ser candidato a Presidente da República e também para me impedirem de ter uma voz pública».
A ‘prova de fogo’ para o MP
A cada notícia sobre o processo em é que investigado pelos crimes de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais, Sócrates responde sempre. Desta vez, porém, a resposta foi ao próprio diretor do DCIAP, que, em entrevista à SIC, confirmou um cenário já avançado pelo SOL: «A data [para apresentação do despacho final] está fixada e em 15 de setembro logo vemos como estão as coisas».
A resposta de Amadeu Guerra à pergunta sobre o cumprimento do prazo estabelecido pelo próprio para a conclusão do inquérito deixa tudo em aberto. «Vamos ver. Vamos aguardar até 15 de Setembro. Ainda falta algum tempo», limitou-se a dizer o diretor do DCIAP.
Mas a verdade é que, com os mais recentes desenvolvimentos do processo – as buscas a instituições financeiras que sugerem o benefício do Grupo Espírito Santo em negócios que envolveram a PT e que tiveram a intervenção de José Sócrates – a investigação estará mais inclinada para uma revisão dos timings do desfecho da Operação Marquês. «Ninguém mais do que nós pretende dar o despacho final nesse processo. Eu, em concreto», deixa claro, ainda assim, Amadeu Guerra.
O procurador da República não esconde que o processo que envolve o antigo primeiro-ministro é uma ‘prova de fogo’. Para si e, também, para o próprio Ministério Público. É, de resto, Sócrates quem faz questão de lembrar que a Justiça prendeu um «ex-primeiro-ministro», que está há mais de um ano e meio à espera de uma acusação. Mesmo assim, Amadeu Guerra não dá quaisquer garantias de quando esta investigação terá um fim.
Falta de memória de Sócrates
O antigo primeiro-ministro considera uma «arrogância» que Guerra não seja assertivo na duração que o processo ainda terá. Essa «infâmia» de que estará a ser alvo não é «normal nem decente». E, por comparação, aponta ao Monte Branco, um processo de cuja costela nasceu, aliás, a Operação Marquês.
Sócrates refere-se aos que, «com responsabilidade» na Justiça, pretendem «confundir» o seu processo com o Monte Branco, «em que ninguém foi preso nem detido». Um caso, acrescenta, «em que a Justiça se portou decentemente» porque terá deixado «em liberdade» todos os arguidos.
É aqui que a memória começa a atraiçoar o antigo primeiro-ministro. Na verdade, estiveram em prisão preventiva, por ordem do juiz de instrução Carlos Alexandre, vários arguidos do processo em que se investigam crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Francisco Canas foi um deles. Ele que, à imagem do que acontece com José Sócrates na Operação Marquês, é a peça principal do processo que corre no DCIAP desde junho de 2011. Aliás, a própria duração do Monte Branco deita por terra um dos argumentos a que Sócrates recorre com frequência para atacar o Ministério Público – a duração do processo sem que haja acusações ou arquivamentos formulados por parte da investigação.
Mas Francisco Canas nem sequer esteve sozinho na prisão enquanto a investigação prosseguia. Suspeito de ser intermediário de Michel Canals na lavagem de largos milhões de euros, Canas teve a companhia do próprio Canals, ex-gestor de fortunas.
E, tal como eles, também Nicolas Figueiredo passou uma temporada na prisão, até que o Tribunal Central de Instrução Criminal alterou a medida de coação.
O contra-ataque
Desde o momento em que chegou oficialmente ao conhecimento público, a Operação Marquês já leva um ano e meio. Se se recuar ao momento em que nasceu, são mais de dois anos e meio.
E Sócrates mostra-se saturado – foi também para isso que serviu a conferência de imprensa desta semana. O socialista está decidido e vai passar à ação: «Irei processar o Estado, porque o Estado portou-se indecentemente, e irei recorrer a tribunais internacionais».