Os funcionários públicos só podem trabalhar até aos 70 anos de idade. Assim os limita o decreto-lei, publicado em Diário da República a 2 de março de 1929.
O decreto-lei n.º 16563 invoca a qualidade do trabalho, “que só excecionalmente se encontra em funcionários que tenham ultrapassado um certo limite de idade” e o espírito de iniciativa que “desaparece para ceder lugar à rotina” como argumentos para a aposentação obrigatória aos 70 anos na função pública.
Uma regra, porém, que não se aplica às pessoas que pretendam candidatar-se a cargos políticos ou em exercício dos mesmos.
Exemplos não faltam destes casos. Recorde-se Mário Soares que, quando se candidatou às eleições presidenciais em 2006, tinha mais de 80 anos. O mesmo aconteceu com Manuel Alegre, aquando das mesmas eleições, iria fazer 70 anos. O anterior Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, abandonou o cargo aos 76 anos, e o atual Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa – atualmente com 67 anos – não irá abandonar o cargo antes dos 72 ou 73 anos. Caso se candidate ao mesmo cargo e seja reeleito, são mais cinco anos (terá 77 ou 78 anos).
Rejuvenescimento Para Pedro Delgado Alves, esta é uma questão que nem sequer se deveria colocar, uma vez que os indivíduos que exercem cargos políticos não estão a exercer funções profissionais, e justifica o limite de idade para a aposentação obrigatória na função pública.
“Não é uma profissão, é o exercício de um direito e o cumprimento de um dever cívico. Uma coisa é a existência de uma data limite, algo que acontece em todos os países do mundo por ser necessário rejuvenescer os quadros da administração pública. Outra completamente diferente é o exercício de funções públicas que resultam do funcionamento da democracia”, disse o socialista ao i.
Uma opinião partilhada por Jorge Lacão. “O funcionário público é um regime de carreira, o candidato a titular de um cargo público é um regime de representação”, afirmou o também socialista. “A liberdade de candidatura política é uma liberdade que não deve ser condicionada a um cidadão que se sinta na sua plenitude para se candidatar”, afirmou ainda.
Pedro Delgado Alves realça o efeito “particularmente nefasto” que teria limitar a atividade política aos 70 anos: “Era desqualificar a população mais sénior em função da idade”.
O docente universitário considera ainda que seria “inconstitucional” dizer a alguém que não pode candidatar-se a um cargo político devido à idade: “A consequência desse raciocínio seria que a democracia para algumas pessoas termina ao fim de uma determinada idade”.
O povo é quem mais ordena Jorge Lacão, por sua vez, acredita que cabe aos eleitores decidirem se determinada pessoa está ou não apta para exercer as funções para as quais se candidata. “Os eleitores é que decidem se uma pessoa oferece garantias ou qualidades para poder desempenhar um cargo político. Isso é liberdade política a funcionar”.
Uma ordem de raciocínio também seguida por José Abraão. “Só são políticos aqueles que querem e passam ainda pela triagem dos próprios partidos políticos, portanto se os partidos e os eleitores considerarem que reúnem condições para exercerem um cargo político, isso diz respeito a cada um”, disse o dirigente da UGT ao i.
O sindicalista, porém, encara a aposentação obrigatória aos 70 anos como “excessiva”, especialmente tendo em conta o desgaste provocado por determinadas profissões. “O que faria sentido é as pessoas aposentarem-se consoante o período contributivo que têm”, afirmou José Abraão.
70 anos é limite excessivo? O dirigente da UGT destaca também que os funcionários que trabalham até aos 70 anos são aqueles que têm regimes contributivos mais pequenos. “Uma pessoa que entrou para a função pública aos 40 anos chega aos 65 e tem 25 anos de contribuições. Se se aposentar, vai morrer de fome para casa”, assegura.
Num texto publicado em novembro de 2013, no blogue Causa Nossa, Vital Moreira considera que é necessário aumentar o limite de idade da aposentação obrigatória. “A aposentação obrigatória por limite de idade aos 70 anos na função pública foi estabelecida há muito tempo, quando a aposentação voluntária era permitida aos 60 anos e a esperança de vida – e portanto o tempo de vida como aposentado – era muito menor do que hoje. Entretanto, a idade da reforma foi elevada para os 65 anos (66, a partir do próximo ano). Apesar disso, o limite dos 70 anos da aposentação obrigatória não foi mexido, tendo-se reduzido para metade (e em breve, menos de metade) o tempo adicional de exercício de funções que é permitido a quem o deseje”, refere.
Para o constitucionalista, não faz sentido limitar as pessoas que sintam que ainda podem contribuir nas suas funções apesar de terem mais de 70 anos, especialmente aquelas que se encontrem em cargos onde é exigida alguma maturidade e experiência como os magistrados, os professores universitários e os médicos. Uma medida que, segundo o socialista, também aliviaria as contas públicas.
Esta era, aliás, uma das ideias do anterior governo. Num capítulo dedicado ao envelhecimento ativo, o programa eleitoral da coligação PSD/CDS falava na possibilidade de “facilitar o prolongamento da vida laboral, de forma voluntária”.
“Nesse sentido, propõe-se equiparar o regime do setor privado, em que é permitido a quem o pretender, continuar a trabalhar depois dos 70 anos, ao setor público, onde esta possibilidade está totalmente vedada”, refere o documento.
Pedro Delgado Alves também coloca a hipótese de revisão da idade limite para a função pública. “Saber se a data do limite dos 70 deveria ou não evoluir é que pode ser discutível. Os 70 anos ainda estão relativamente distantes da idade mínima da reforma, mas podia eventualmente ser revisto porque hoje a idade da reforma já está nos 66 anos e não nos 60 como há alguns anos”.