Com o Algarve esgotado multiplicam-se episódios que têm vindo a incendiar as redes sociais. E tudo começa bem cedo, por volta das oito da manhã, com as praias vazias de pessoas mas cheias de chapéus de sol e toalhas. E, não. Não se trata de um fenómeno de extra-terrestres. Os veraneantes levantam-se bem cedo para marcar o seu território, regressando a casa e só voltando mais tarde à praia já com o seu lugar garantido. O fenómeno ganhou outra dimensão com a divulgação de um vídeo partilhado nas redes sociais que mostrava o que acontece na praia de Armação de Pêra, no Algarve. Para Elidério Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), “esta situação já existia, mas este ano teve mais divulgação. Há muito tempo que as pessoas tentam reservar o seu espaço. Além disso, a praia é grande, mas as pessoas também teimam em querer ficar mais perto das casas”. No entanto, quem conhece bem a praia em questão garante que existe um outro motivo que se prende com o facto de o mar ter roubado espaço aos areais nos últimos anos. Esta é a teoria dos comerciantes locais. E, a verdade é que, de acordo com o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, as praias portuguesas têm perdido muita areia ao longo dos anos: “Há várias razões e a questão é que afeta toda a zona costeira. Os rios transportam cada vez menos areia e também há menos precipitação”.
A culpa é das barragens Para o especialista, a situação é tão grave que põe em causa a existência de algumas praias nacionais. De acordo com Adriano Bordalo e Sá, o fenómeno também não é novo mas tem piorado por causa do número de barragens: “Há uma retenção das areias”. Para o especialista estes fatores somam-se ao facto de cada zona sofrer com os aspetos locais. “Há casos em que o que acontece tem muito a ver com as intervenções que têm sido feitas nestas zonas”, explica, salientando o impacto de construções de marinas, portos e quebra-mares – sem esquecer a influência das alterações que têm sido feitas no perfil da própria costa: “É preciso não esquecer as intervenções que foram feitas nas arribas ou a destruição de dunas para criar campos de golfe ou habitações”.
Razões para praias cada vez “mais magras” é o que não falta. “Também não podemos esquecer que houve uma altura em que se extraiu muita areia para a construção civil”. Sendo que todas estas razões se somam “a um processo de subida do nível da água do mar”. “Esta intervenção humana tem acelerado o processo de subida do nível do mar e já existem várias zonas onde com a maré alta não existe local para estender a toalha”.
Reposição contínua de areia Para o especialista, os estudos estão feitos, “mas continuam a ficar na gaveta”. Isto perante um cenário que é cada vez mais preocupante. “As pessoas procuram cada vez mais as praias, mas temos de perceber que as nossas praias estão cada vez mais magrinhas. Ora, se há cada vez mais gente e menos areal é normal assistirmos a este fenómeno de concorrência e de conflitos por um lugar”. Para o especialista é ainda importante relembrar que a realidade já começou a mudar. “O processo de perda de areal é muito rápido e vê-se de ano para ano. E repor areia não é solução. A areia vem e vai e, atualmente, vai mais do que o contrário. Fora o que significa no erário público a reposição do areal”. Sendo que é esta a solução pensada, para já, no caso da praia de Armação de Pêra. Para resolver o problema da ‘luta’ por um lugar ao sol, a Junta de Freguesia conta que seja colocada artificialmente mais areia na praia. A proposta está orçada em um milhão de euros.
Legislação não proíbe Apesar das críticas que se multiplicaram por causa da reserva de lugares na praia, não há nada que proíba a prática. De acordo com a capitania de Portimão, a polémica não passa de uma questão moral: “Não podemos impedir as pessoas de fazerem isto”. Além disso, nada “impede” que os pertences não sejam tirados por uma outra pessoa. A reserva de lugares é, aliás, uma questão antiga e somam-se casos de quem conheça episódios que se repetiam nas piscinas dos hotéis, onde havia quem, desde cedo, guardasse uma espreguiçadeira.
No entanto, se nas praias a legislação não proíbe, nas unidades hoteleiras começaram a ser aplicadas regras para impedir esta prática. Elidério Viegas explica mesmo que este é um fenómeno que sempre se verificou, mas que tem vindo a ser evitado com as políticas adotadas pelos hotéis. “Claro que as pessoas gostam de guardar o lugar na piscina. Sempre houve esta tendência de guardar as espreguiçadeiras, mas há regras e os hotéis têm cada vez mais cuidado com este tipo de questão”. A reserva de lugar nas piscinas dos hotéis era uma das causas das reclamações que eram feitas nas unidades hoteleiras e, por isso, “começaram a ser tomadas medidas”. “Havia muito descontentamento por causa deste tipo de situações e os hotéis começaram a proibir. Há muitos sítios onde não se pode fazer isso”.