Traficavam quilos de droga na cadeia de Pinheiro da Cruz

Cabecilhas montaram esquema na prisão de Pinheiro da Cruz, depois de serem condenados por tráfico. Contavam com rede alargada de cúmplices

A Polícia Judiciária pôs fim a um negócio de tráfico de droga montado a partir da prisão de Pinheiro da Cruz, no distrito de Setúbal, que rendia mais de três mil euros por mês aos dois reclusos que lideravam a rede. Foram detidas esta semana três pessoas e constituídas arguidas mais de 20, todas com intervenção no esquema.

Os dois responsáveis do grupo – um português e outro homem com dupla nacionalidade, de origem guineense – já estavam a cumprir penas de prisão por “crimes relacionados com o tráfico de droga” quando foram apanhados pelos inspetores da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal. São ambos considerados “bastante experientes” no tráfico de droga. Pouco depois de terem sido enviados para Pinheiro da Cruz, retomaram o negócio a partir do interior da prisão, contando com o apoio das suas “mulheres, das companheiras, amantes, família e amigos”. Eram esses “colaboradores” quem lhes faziam chegar os vários quilos de haxixe, cocaína e heroína que depois vendiam a outros reclusos. “Não consumiam, e isso permitia-lhes ter um ascendente sobre os restantes reclusos”, conta ao i fonte ligada ao processo.

Violência origina investigação A investigação começou em julho do ano passado. Algumas “agressões particularmente violentas” contra alguns dos reclusos de Pinheiro da Cruz levantaram suspeitas aos inspetores, que começaram a investigar as razões por detrás desses atos de violência e chegaram ao esquema. As vítimas eram “clientes” do grupo que tinham feito encomendas que depois não tinham meio de pagar.

Em seis meses, os dois cabecilhas venderam qualquer coisa como 25 mil euros em drogas. A operação contava com vários cúmplices fora da prisão. Um dos líderes tinha quatro companheiras, às quais recorria para os mais variados serviços: recolher o produto juntos dos fornecedores, arranjar “visitas” que pudessem colocar o produto dentro da prisão, receber pagamentos, entre outros. Durante a investigação foram detetadas meia dúzia de contas bancárias onde eram feitos, por transferência e por depósito direto, os pagamentos dos reclusos que serviam de “consumidor final” da droga – todas as contas estavam em nome das companheiras, amantes e mulheres dos cabecilhas, para que pudessem passar debaixo do radar das autoridades, um “esquema muito badalado, que é mais recorrente do que se possa pensar”, sublinha fonte ligada à investigação.

Os negócios dos dois líderes do esquema eram feitos com recurso a telemóveis topo de gama. Equipamentos que lhes chegavam às mãos com a ajuda de um outro cúmplice – um dos elementos detidos esta semana tinha “acesso privilegiado” à cozinha da prisão graças a uma empresa em que trabalhava. Detido por tráfico, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, o homem era, ao mesmo tempo, o principal fornecedor da dupla de traficantes.

Além de levar os telemóveis aos responsáveis da rede, falsificou documentos para abrir uma conta bancária onde eram feitos os pagamentos dos negócios em que participava. Sobretudo, dando apoio logístico às amantes dos cabecilhas. “Conhecia bem essas mulheres, com quem contactava frequentemente”, refere fonte ligada ao processo. “Foi identificado a transportar encomendas para os dois líderes do esquema, de forma combinada com as companheiras dos mesmos”, acrescenta a mesma fonte, que prefere não ser identificada.

Droga entregue nas visitas Os cúmplices dos cabecilhas ajudaram a montar um esquema de entregas com base num universo alargado de visitas à prisão.

No decurso da investigação, a PJ conseguir identificar a estratégia montada pelo grupo para que o produto chegasse às mãos dos responsáveis, em Pinheiro da Cruz. “Foram confirmadas entregas de encomendas que eram introduzidas no interior da prisão transportadas no ânus e na vagina das visitantes”, refere o processo, que chegou agora às mãos do Ministério Público. “Esse produto era entregue em mãos no parlatório, quando havia contacto direito com os responsáveis do esquema.”

Fonte da investigação garante que não foi detetada qualquer colaboração dos guardas prisionais. Daí que, na lista de 22 arguidos, não conste qualquer elemento com responsabilidades em Pinheiro da Cruz – da mesma forma que nunca tinha sido detetado um esquema desta dimensão naquele estabelecimento Ainda assim, é sublinhada alguma “facilidade” no controlo das visitas, consequência de um “deficiente controlo” das entradas, que “propiciou” a continuação do esquema pelo menos durante os oito meses em que os movimentos de droga e dinheiro foram confirmados.

Além do “principal fornecedor” do grupo – que ficou em prisão preventiva –, foram também detidas duas das várias companheiras dos cabecilhas do grupo. Estão indiciadas pelo crime de tráfico de droga e associação criminosa.