Vença quem vencer a corrida à Casa Branca, o Partido Republicano arrisca-se a perder, mais do que a batalha, o seu próprio rumo e identidade. E, com o evoluir da campanha, o pior cenário pode ser mesmo a vitória de Donald Trump. Contra Hillary Clinton e o Partido Democrata, primeiro, e cada vez mais contra um crescente número de dirigentes do seu partido. Como vários analistas notaram, estamos no fim de uma semana desastrosa para o milionário, um momento em que uma tempestade perfeita se levantou de uma série de polémicas gratuitas, outras simplesmente ridículas, e que evidenciaram a desorganização e os desentendimentos na sua campanha. E se o empresário até aqui vem gozando de uma aura que mistura algo de intocável e inimputável, com o fervor dos seus apoiantes a alimentar-se da forma como este candidato choca com tudo o que lhes apresentou o establishment, há sinais de que os ventos podem estar a mudar.
Segundo os dados a nível nacional divulgados na quinta-feira pela estação Fox, a dupla republicana formada pela estrela dos reality shows nova-iorquina e pelo seu candidato a vice, Mike Pence, ficar-se-ia por 39% dos votos se as eleições de 8 de novembro fossem hoje, ao passo que a dupla formada por Clinton e o seu número dois, Tim Kaine, teria uma vitória retumbante com 10 pontos de diferença.
Ainda houve alguns, especialmente dentro do Partido Republicano, que tinham esperanças que assim que Trump visse a confirmação oficial de que seria ele o candidato conservador, suavizasse o tom desafiador, limasse as arestas para adotar um tom ‘presidencial’. Nada disso. Desde a convenção do partido em Cleveland, e depois de uma ligeira subida nas sondagens, o empresário não se moderou, pelo contrário. E depois da convenção de Clinton em Filadélfia, as distâncias entre os dois campos voltaram a ampliar-se.
Entretanto, acusando os sinais da crise motivada pela sucessão de escândalos e divisões internas, Trump tentou reagir da única forma que sabe: investindo contra a realidade. Naquele que tem sido o principal órgão da sua campanha, o Twitter, deixou na quarta-feira uma mensagem a dizer que não se lembrava de «uma unidade tão grande» e um «apoio tão tremendo» à sua candidatura desde que se lançou na corrida presidencial.
Enquanto Trump não recua nem se retrata de qualquer das suas ideias polémicas e comentários infelizes, vários congressistas estão a anunciar que não irão votar nele em novembro. Num comício esta quinta-feira, o candidato republicano voltou a hastear bem alto a sua bandeira contra a imigração. Falou na ameaça terrorista que representam os imigrantes para os EUA, e citou vários exemplos de países de maioria muçulmana. «Estamos a lidar com animais», disse.
«Centenas de refugiados, que vêm de territórios e dos países mais perigosos do planeta. É preciso pôr um fim a isto», vincou para gáudio dos seus apoiantes em Portland, no Maine. «Estamos a deixar entrar pessoas que vêm de países terroristas e que não deviam ter este direito porque não podemos controlá-los», reiterou, antes de concluir: «Não sabemos nada deles, este poderá vir a ser o maio Cavalo de Troia de todos os tempos».
Outras sondagens recentes, estado a estado, têm revelado um puzzle difícil para Trump, com Clinton a afirmar-se de forma notável em pontos-chave que poderão ter uma influência decisiva no balanço final. É caso de estados como a Pensilvânia (11 pontos de vantagem), New Hampshire (15 pontos), Michigan (nove pontos) e Flórida (seis pontos).
Habituado a reagir instintivamente e sem medir o alcance das suas palavras, o estilo desbocado do milionário tem-lhe valido a admiração de grande parte do eleitorado e até de figuras do calibre de Clint Eastwood. O lendário ator e realizador norte-americano admitiu numa entrevista à revista Esquire que o magnata tem dito «muitas coisas burras», mas diz preferir um Presidente que alimenta a máquina da controvérsia a um que segue um guião convencional e «aborrecido», pactuando com o politicamente correto. «Ele está a conseguir porque secretamente toda a gente está farta do politicamente correto», afirmou Eastwood. «É uma geração lambe-botas aquela em que estamos. Vivemos mesmo numa geração de mariquinhas. Toda a gente anda a pisar ovos», acrescentou o realizador, que já conquistou quatro Óscares, com filmes como Imperdoável, de 1992 e Million Dollar Baby, de 2004.
O homem que marcou gerações com a sua imagem de durão em filmes como Dirty Harry (1971), já tinha estado ao lado dos republicanos noutras eleições, e se entende que a escolha entre Trump e Clinton «é uma escolha difícil», prefere-o à candidata democrata «porque ela garantiu que vai seguir os passos de Obama».
Não são muitas as figuras do mundo do espetáculo, onde se construiu a imagem de sucesso de Trump, que têm declarado publicamente o seu apoio ao candidato republicano, nem são por outro lado celebridades em estado de graça. Entre estas contam-se os atores Charlie Sheen, Jon Voight e Kirstie Alley, os cantores Kid Rock e Azealia Banks e os ex-lutadores Hulk Hogan, Mike Tyson e Jesse Ventura.
Já no campo político, a desgraça de Trump é o resultado de um disparo no próprio pé. O magnata do imobiliário envolveu-se esta semana numa espinhosa controvérsia que choca com um dos pilares da sua campanha, o patriotismo.
Khizr e Ghazala Khan, os pais de um capitão do Exército norte-americano morto num ataque suicida em 2004 na guerra do Iraque, foram alvo da ira do candidato republicano depois de estarem presentes na convenção democrata, em que denunciaram as ideias de Trump para combater o terrorismo, nomeadamente através da proibição de entrada de muçulmanos nos EUA. Se o candidato à vice-presidência, Mike Pence, tentou pôr água na fervura, descrevendo o capitão Khan como um herói, um dos principais conselheiros de Trump, Roger Stone, não hesitou em referir-se a Khizr Khan como «um agente da Irmandade Muçulmana a ajudar Hillary Clinton».
O Presidente Barack Obama, que até então se tinha recusado a entrar na guerra de palavras com Trump, notou que, face às suas últimas declarações, «o candidato republicano claramente não está apto para exercer o cargo».
«O facto de ter atacado uma família militar que fez sacrifícios tão extraordinários em nome do país; o facto de não demonstrar os conhecimentos básicos sobre as matérias mais críticas na Europa, no Médio Oriente e na Ásia, revela que está totalmente impreparado para o cargo».
Obama parece estar a beneficiar de uma reapreciação do seu legado político, e na quinta-feira, dia em que fez 55 anos, recebeu uma excelente notícia: segundo a CNN, a sua taxa de aprovação atingiu o ponto mais alto no seu segundo mandato, com 54%.
Mas nesta polémica com a família Khan, o pior para Trump não foi o coro de críticas nem a indignação que incha e logo esmorece no atual ciclo sensacionalista que ele tão bem conhece e domina, o pior foi este episódio ter forçado vários líderes republicanos a demarcarem-se dele, deixando um sinal inequívoco de apoio aos combatentes no ativo, aos veteranos de guerra e às famílias militares – um dos blocos de eleitores mais cortejados pelo partido e que, em alguns estados, pode ser determinante para que o candidato republicano consiga chegar à Casa Branca.
Nos últimos dias, a imprensa norte-americana além de dar eco ao descontentamento e até fúria que o comportamento de Trump tem provocado junto dos líderes conservadores, segundo a cadeia NBC, o presidente da formação, Reince Priebus, juntamente com o antigo mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani, e o ex-porta-voz do Congresso, Newt Grinch, estão a planear intervir no sentido de estancar as feridas que o candidato tem aberto. Perante o evidente desnorte da campanha, estes pesos pesados estarão a tentar que Trump levante a mira de alvos como o casal Khan e se foque na sua rival, Clinton. Também a ABC News avançou que o comité nacional republicano estaria já a traçar cenários para a eventualidade de a campanha do magnata se autodestruir.